N.A.: se estiver triste, não leia este capítulo agora. A versão de Hallelujah mencionada por Daniel está disponível no Youtube como um cover da dupla Brooklyn Duo. Link disponível nos comentários deste parágrafo.
DANIEL
Tenho medo de me aproximar e odeio ficar sozinho, anseio por aquele sentimento de não sentir nada. Quanto mais alto chego, mais profundo afundarei. Não posso afogar meus demônios, eles sabem nadar.
(Can You Feel My Heart – Bring Me The Horizon)
Eu costumava gostar do Natal, mas agora é só um dia como qualquer outro. Não sinto muita fome, então a ceia não me empolga; não sou muito religioso, então as canções não me emocionam; eu e meu pai não somos grandes amigos e o resto da família não é tão próximo, então o lance de reunião familiar não me atrai.
Por esta razão, demoro o máximo que posso no banho, deixando a água quente escorrer pelo meu corpo como lava. Está muito quente, pelando, como diria minha avó - que veio para a comemoração. Estou estranhando a mim mesmo, mas é culpa de Sarah. Ela me convenceu de que eu teria que tomar o remédio prescrevido por Mattias querendo ou não, o que me fez evitar todos os tipos de líquidos da minha casa, principalmente os oferecidos pelo meu pai ou ela. Também passei a revistar os sanduíches que eles me traziam, cutucando o pão até deixá-lo em migalhas.
Quando eles perceberam que essa tática não iria funcionar, decidiram me entregar diretamente o comprimido.
– Você não é mais criança, não é? – meu pai me desafiou, ao sentar na poltrona do meu quarto e esperar durante quase uma hora me encarando até eu ceder e tomar o comprimido por conta própria.
Ele me fez abrir a boca e checar se não havia escondido atrás da língua ou nas gengivas. Quando Sarah se propôs a fazer a mesma coisa, não pude aguentar, acabei cedendo. Então estou tomando o maldito remédio e estou me sentindo péssimo.
Mesmo que tenha sentido o ímpeto de tomar banho, coisa que eu já não fazia questão faz tempo, outras coisas me incomodam. Inquietação, suores, calafrios, enjoo e bocejos que parecem não ter fim. Meus olhos lacrimejam de tanto que minha boca se abre em um bocejo atrás do outro, mil vezes por dia. Não sinto sono, para variar.
Quando saio do banheiro, ainda estou inquieto. Ando de lá para cá pelo quarto depois de me vestir. Mesmo quando me sento, meu pé ainda tamborila no chão, e eu bocejo seis ou sete vezes em menos de cinco minutos. Quando meu nariz começa a escorrer, começo a ficar nervoso e irritado.
Meu pai não me entregou a bula do remédio, provavelmente temendo que eu usasse alguma informação de lá para tentar algo contra mim mesmo. Mas não teve problema, pois a internet existe e eu pesquisei o que queria saber. Tudo o que estava sentindo era efeito colateral.
Quando ouço baterem na porta, estou de saco cheio. Abro na mesma hora, pronto para alguma resposta mal-humorada, mas paro em surpresa quando vejo minha avó.
– Feliz Natal! – ela exclama, pura alegria.
Não me movo quando ela me abraça, o que a faz estranhar na hora.
– Eu sei que não te vejo há mais de um ano e essa tal de puberdade mexe com os garotos da sua idade, mas tenho certeza que o Daniel que eu conheço nunca recusaria um abraço da vovó.
Dou um riso fraco, mas não respondo. Ao invés disso, dou outro bocejo. Meus avós paternos costumam nos visitar nas datas comemorativas ou nas férias, mas ano passado não houve Natal ou Ano-Novo em família. Ninguém estava em clima para comemorações, não depois que minha mãe estragou tudo se matando. Ao pensar nisso, sinto um pouco de remorso e raiva de mim mesmo. É a primeira vez que penso nela dessa forma: com raiva, não saudade.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Afogados
Teen Fiction‣ LIVRO 2 DA SÉRIE SUBMERSOS. Daniel e Alissa já ouviram canções melhores e navegaram por mares mais calmos. Calmos porque, se pensam que o barco em que estavam passou pelo pior, estão enganados. A tempestade mal começou e com ela vem grandes estrag...