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DANIEL

Quando você sentir o meu calor, olhe nos meu olhos: é onde meus demônios se escondem.

(Demons Imagine Dragons)


Então estava acontecendo. De alguma forma, Alissa estava caminhando para o mesmo lugar que eu. O lado errado da coisa. O lado que não servia para nada e não tinha outro propósito a não ser afundar. Mais do que qualquer outra coisa, isso era injusto. Eu não sei até que ponto poderia permitir isso.

Eu estava acostumado ao meu sofrimento. Eu podia lidar com o que eu sentia. Talvez não da melhor forma, não com as melhores escolhas, mas ainda conseguia. Ter que vê-la sofrer, por outro lado, e ainda por cima por minha causa, é demais. Na minha cabeça, nenhuma opção parece mais correta do que a ideia de deixá-la. E, ao mesmo tempo, eu tenho certeza de que, por inúmeras razões as quais nem todas eu posso nomear, este seria o nosso fim. Principalmente o meu.

Era ridículo a maneira como ao invés de isso me dar mais forças para levantar e lutar, me sugava todas as vontades e me afundava ainda mais no colchão. Cada golpe duro de realidade era um centímetro a mais na merda onde eu estava me afogando.

– Cansado – murmuro, gemendo para mim mesmo em meu quarto parcialmente escurecido. – Estou cansado.

– Dá para perceber – uma voz responde bem perto de mim, me assustando.

Um pouco mais rápido do que esperava, eu me movo em direção ao som, esperando encontrar Alissa, Sarah, qualquer pessoa menos menos a estranha que me encara de cima, braços cruzados e sobrancelha erguida, parada ao lado da minha cama.

– Quem é você? –  eu pergunto, consideravelmente menos letárgico do que estava momentos atrás. 

A garota tem a minha idade, um piercing horrível no septo, cabelo curto repicado e com as pontas descoloridas, e um par de sobrancelhas grossas muito bem desenhadas que estão erguidas para mim, como se me acusassem de ter sido pego no flagra enquanto fazia algo muito errado. Começo a suspeitar que estou a tanto tempo trancafiado em meu quarto que ultrapassei os limites da sanidade e estou começando a ter alucinações. Essa garota não pode ser real, eu nunca sequer a vi na vida, nem ela se parece com ninguém que eu conheça.

Concentro-me um pouco na sua imagem para tentar visualizá-la melhor e acho que, talvez, ela se pareça um pouco com uma pessoa que conheço, sim. Mas não consigo encontrar na memória quem seria essa pessoa, especificamente. Tento me esforçar mais para reconhecê-la, ela precisa ser alguém real, quando a garota move os lábios tão rápido, e sem mover nenhuma outra parte do rosto, que chego a duvidar também que ela tenha falado qualquer coisa.

– Está na hora do jantar.

– Que horas são? – pergunto, desnorteado e confuso, e tentando ignorar em partes que a pessoa de pé na minha frente na verdade é uma desconhecida que invadiu o meu quarto.

– Hora de levantar da cama e ir jantar.

A voz da menina é incisiva, quase mandona, como se ela mal pudesse esperar para me chutar a força da minha própria cama e fosse se divertir bastante com isso. Por um momento, acho que ela é Thomas. Meu Deus, é Thomas. Não consigo acreditar. Ele conseguiu. Mas espera...

A garota me encara como se eu estivesse me transformando num verme bem na sua frente e começa a fazer uma careta de nojo. Eu fecho os olhos e conto até dez antes de voltar a abri-los, torcendo para que ela tenha desaparecido quando eu voltar a enxergar o quarto. Mas ela continua lá. Mesma cara, mesmo cabelo, mesma expressão.

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