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DANIEL

E a coisa mais triste é que isso tudo poderia ter sido evitado.

(Eyes Wide Open Gotye)


– Ele não pode ficar saindo sozinho – a voz de Sarah murmura dentro do quarto.

Controlo minha respiração, puxando o ar profundamente, deixando que ele invada meus pulmões sem pressa, e depois expulsando-o na mesma velocidade.

– Eu não vi quando ele saiu – meu pai responde, mais baixo do que ela.

Olho para meus próprios pés, escondidos dentro das meias cinzas. Ergo meu dedão do pé, observando o volume por baixo da meia surgir e desaparecer. Fecho os olhos, parando o movimento, e volto a prestar atenção na conversa.

– Achei que fosse bom que ele saísse – é meu pai que fala outra vez. Sua voz está saindo quase despreocupada, como se houvesse uma peça faltando na história que ele ainda não se deu conta.

– Mas é – Sarah grunhe, a voz aumentando um pouco além do que ela gostaria. – Desde que não seja sozinho.

– Calma, você não pode se estressar. Faz mal para o bebê.

Meus olhos se abrem novamente e eu prendo a respiração. Minhas mãos formigam. Um dos meus pés se move lentamente para trás, mas eu paro no meio da ação para ouvir a resposta de Sarah.

– O meu bebê é o que menos me preocupa agora.

– O nosso bebê – meu pai corrige.

Há um longo momento de silêncio e eu me afasto, finalmente. Já ouvi a conversa por tempo demais e agora o assunto não mais me importa.

Ao entrar no meu quarto, é como se estivesse ultrapassando um portal para outra dimensão. O ambiente me sufoca e ao mesmo tempo me traz segurança, pois é o tipo de prisão que eu já conheço, que estou acostumado. Ainda assim, incomoda.

Sento-me no chão, encostando-me na porta e apoiando os braços nos joelhos erguidos. Encaixo minha cabeça no espaço entre o tronco e os braços cruzados e fecho os olhos, desejando adormecer e acordar em outro lugar, em outro tempo.

Sinto-me pesado, carregado, exausto. De repente percebo que não odeio Sarah, não detesto o bebê que ela carrega. Invejo a criança. Ela vai ter algo completamente diferente do que eu tive e mil vezes melhor. Uma mãe normal, um pai normal, uma irmã normal, e eu. Mas talvez eu não esteja mais aqui, com sorte.

É quase como se eu fosse a parte manchada do quadro, o objeto que não se encaixa. Ninguém precisa dizer isso, pois eu simplesmente sei.

Não odeio Sarah, mas não consigo amá-la. Todo esse tempo vim me enganando, me forçando a acreditar que detestava quem ela é e o que ela representa, mas agora, ouvindo sua conversa com meu pai, percebo o quanto fui estúpido tentando desesperadamente magoar alguém que se esforça para ser aceita por mim. Como se ela precisasse da minha aceitação. Sarah é boa demais para mim.

Sou um idiota.

Idiota.

Idiota.

Idiota.

Mordo os lábios, erguendo a cabeça e olhando para o teto, para meu infinito - o mesmo que antes já me trouxe tanta paz. Agora, tudo o que sinto é desespero. Queria poder pular neste infinito e sumir dentro dele. Patético.

AfogadosOnde histórias criam vida. Descubra agora