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D A N I E L

Eu gostaria de estar orgulhoso mas de alguma forma estou envergonhado

(R.I.P 2 My Youth The Neighbourhood)


Faz tempo que durmo sem ter sonhos. Me acostumei a fechar os olhos, ver imagens confusas e assustadoras passando e acordar quando não consigo mais suportar o terror. É irônico que às vezes eu deseje dormir para sempre.

Pela primeira vez em muito tempo durmo sem sonhar. Talvez por casa do álcool, eu acabo tendo a primeira noite boa de sono em dias. Literalmente apago. Não precisei enfrentar meu pai quando cheguei, pois quem me recebeu foi Sarah e ela não teceu nenhum comentário sórdido quando me viu entrar sorrindo em casa. Nem mesmo estranhou que eu estivesse sorrindo para ela. Talvez estivesse com sono demais. Talvez simplesmente não desse a mínima.

Acordo com meu pai no meu quarto falando algo sobre esmaltes. Ele percebe que não faço ideia sobre o que ele está dizendo quando não paro de encará-lo com a testa franzida.

– O bilhete.

Espero que o olhar que lhe dou seja interpretado como "que bilhete?", e acho que minhas expectativas são atendidas quando ele explica melhor:

– O bilhete que deixaram na casa de Alissa na madrugada. Foi escrito com esmalte vermelho e não sangue.

– O quê?

– Ela passou a noite com você por causa disso, Daniel – ele diz, esperando que isso esclareça as coisas para mim, mas quando tento puxar qualquer coisa em minha memória vejo um grande espaço negro.

Minha última lembrança é do sorriso que dei para Sarah - e nem tenho certeza se essa lembrança é real. Meu pai bufa de impaciência.

– Deixa pra lá. Ela pode voltar aqui e falar sobre isso depois. Eu queria te propôr uma coisa.

Aguardo, mesmo sabendo que ele quer palavras, não olhares. Ultimamente não tenho sentido muita vontade de falar.

– Estive pensando... O que você acha de passarmos um tempo na casa de praia? Eu, você, Sarah e talvez Lília, se ela quiser ir. Uma temporada em família.

Meu pai parece bastante esperançoso. Em nossas melhores lembranças a casa da praia é um dos meus lugares preferidos no mundo inteiro, se não o melhor de todos.

Não sei se falo com uma má intenção ou não, mas o que sai da minha boca é automático e faz com que ele murche na hora:

– Que família?

Espero que grite, brigue comigo, mas ele assente.

– Certo.

Aí sai do quarto.

Não sei o que pensar. Até entendo sua decepção, também não estou satisfeito comigo mesmo.

Contando o pedaço faltando em minha memória, agora tenho um novo vazio com o qual lidar.

Deitado em minha cama, espero uma avalanche de sentimentos. Dor, raiva, desespero. Mas, ao invés disso, tudo o que sinto é um buraco negro enorme bem no centro do meu peito. Por incrível que pareça, esse buraco de vazio incomoda muito mais forte do que se eu estivesse sentindo mil coisas simultâneas.



N.A.: Eu só queria dizer que a partir daqui podemos começar a contagem regressiva de exatos 10 capítulos para o fim desse livro. Aproveitem.

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