18

794 158 71
                                    

D A N I E L

Quando você nunca vê a luz é difícil saber quem está desabando.

(Stay Rihanna "cover por One Last Night")


Existem algumas coisas que eu ainda gosto de fazer. Por exemplo, deitar na cama, de barriga para cima, e olhar para o céu através da janela. Gosto de fazer isso principalmente de dia, quando tudo se preenche numa só cor: azul. Fico observando as nuvens passarem, desenvolverem suas formas, e me concentro em perceber a rotação da terra. Como o céu parece que anda devagar, girando, e às vezes me deixa até tonto.

Nessas horas eu não tento me transportar para outro lugar, não tento fugir ou escapar de mim mesmo e do que estou vivendo e sentindo. Nessas horas eu fico bem ciente de quem sou, de onde estou, e é uma das raras ocasiões em que saber disso não me aterroriza.

Eu olho para todo aquele azul, com suas formas desbotadas que se desmancham feito fumaça, e me sinto calmo, pleno.

Olha este céu. Eu posso vê-lo. Até mesmo sinto o impacto da sua imensidão. Eu relaxo sob sua grandeza - e é quando sei que estou vivo.


≈ ≈ ≈


Alissa vem até a minha casa, mas eu não estou mais no clima. Ela chega arrumada e pronta para sair. Para onde nós iríamos mesmo? Parque, praça, praia, tanto faz. Não estou na vibe de fazer nada. Talvez nem seja uma vibe, seja um estado permanente. Não sinto vontade sequer de conversar.

– Não acho que seja uma boa ideia agora. – eu digo, tão logo ela senta na beira da cama ao meu lado.

Alissa espera um longo momento, como se não tivesse ouvido direito. Quando ela finalmente entende o que eu quis dizer, reclama.

– Você prometeu.

Eu já tenho a resposta pronta na ponta da língua. Não preciso nem pensar.

– É por isso que eu não gosto de promessas. Porque eu posso não conseguir cumpri-las.

Ela resmunga:

– Isso não é justo.

Não digo nada. Mas não dizer nada na maioria das vezes é um pedido para Alissa insistir, é quase como dizer "tente mais um pouco, talvez você consiga alguma coisa". Não sei se acho isso bom ou ruim.

Ela passa a mão nos meus cabelos, tentando me agradar. Sinto o toque, mas não a carícia. É diferente de um jeito que não sei explicar.

– O que aconteceu pra você mudar de ideia tão de repente??

– Nada.

– Nada?

....

Ela explode com o meu silêncio. É tão súbito e novo que me deixa surpreso. Ela se ergue, ficando de pé, e aumenta o tom de voz se fazendo ouvir por todo o quarto e talvez pelo corredor:

– Você não pode ficar fingindo que uma coisa não existe quando ela está bem ali na sua frente. Você não pode ignorar os problemas, porque eles continuam lá e só vão se juntando e se tornando maiores até você criar força pra encarar.

– E eu sou um fraco, pelo visto.

É isso. Alissa morde os lábios e seu rosto inteiro assume um tom de culpa. Antes mesmo de eu ter dito qualquer coisa, ela já parecia arrependida de suas palavras. Eu sei qual o tipo de arrependimento que ela está sentindo. Não é porque ela pensa o que disse, é porque ela disse. Falar é o problema. Você não pode falar esse tipo de coisa, mesmo que seja verdade.

Como se para comprovar meu ponto de vista, ela lamenta e se desculpa.

– Eu não devia ter falado isso.

...

Alissa senta na cama novamente. Ela põe as duas mãos em cada um dos meus braços, numa tentativa frouxa de me trazer de volta.

– Me dá um abraço.

– Não. – É o que sai dos meus lábios.

– Daniel.. – ela suplica.

Eu me esquivo, como se pudesse ir para outro lugar apenas ao me afastar do seu toque. E só a tentativa já dói em mim mais do que poderia imaginar.

– Não quero te abraçar. Não quero fazer nada. Desculpa. Desculpa se sou um bosta que não serve pra nada, não gosta de fazer nada, não quer mais nada.

Eu sou sincero em cada palavra. Não sei como elas saíram de mim, não sei como soei ao dizer isso, não sei o que Alissa vai pensar. Provavelmente que sou um idiota. Tudo bem, eu já me sinto assim há muito tempo.

Agora estou com vergonha, mas ela se aproxima de mim e toca meu rosto, erguendo-o para que eu olhe diretamente em seus olhos.

É difícil, mas eu dou o máximo de mim e consigo acompanhar enquanto ela fala:

– Você não tem que se desculpar. Todos nós estamos travando uma batalha agora. Você só não encontrou sua forma certa de lutar ainda.

Quero acreditar nela da mesma forma que ela parece acreditar em si mesma. Quero me agarrar a essas palavras e torná-las minha maior verdade no momento. Eu me esforço como se estivesse carregando o peso de dois mundos em cada braço. Quase posso ouvir minha consciência arfar e urrar com o peso. Mas falho. E Alissa surge, mais uma vez, para segurar tudo por mim.

– É confuso agora, e difícil também, mas você vai conseguir. Eu acredito em você.

Enquanto eu permito que ela se aconchegue em meus braços, sentindo o perfume do seu cabelo quando ela apoia o rosto em meu peito, faço uma nova oração:

Deus, se você existir e estiver me ouvindo, permita que eu acredite em mim também.

AfogadosOnde histórias criam vida. Descubra agora