ALISSA
Eu não posso nos salvar, minha Atlantis, nós caímos. Construímos essa cidade em terreno movediço.
(Atlantis – Seafret)
Não foi um Natal agradável, mas também não foi um desastre. Com certeza vai ficar para a memória como o Natal mais sem jeito de todos, com todo mundo comendo em silêncio e dando sorrisos falsos.
Todos estamos preocupados com Nathan, pois não pude mentir para os meus pais sobre a visita que fiz à mãe biológica dele. Para minha surpresa, eles já estavam pensando em falar com ela. Eles foram no dia seguinte e voltaram com tantas informações quanto eu. O pai do Nate realmente está morto. Sem ele e sem o endereço do tio desaparecido, voltamos para onde partimos, sem nenhuma pista.
Tentamos, sem sucesso, não tocar no nome do meu irmão durante a ceia. Mas Luke não resistiu em comentar que o peru fora preparado do jeito preferido de Nate.
Saio cedo pela manhã para ver Daniel, me perguntando como deve ter sido seu Natal. Antes que eu possa pensar numa forma sutil de tocar no assunto sem acionar nenhum gatilho para o caso de ter acontecido algo muito infeliz, dado sua relação problemática com a família, me deparo com ele sentado no batente em frente a sua casa.
Ele ergue a cabeça para me olhar e acena de um lado para o outro, em negativa.
Não entendo muito bem o que ele quer dizer com isso. Sento-me ao seu lado.
– Oi. – eu digo.
Quero conversar com ele sobre como foi a noite anterior, contar o que aconteceu na minha visita à mãe de Nathan com Cristal, falar sobre meus avós não tão agradáveis cochichando com meus pais na cozinha e chamando a banda dos meninos de invenção sem futuro. Quero tocar sua mão e entrelaçar nossos dedos como costumávamos fazer, deitar minha cabeça em seu ombro e fechar os olhos ao sentir seu perfume.
Sem uma palavra sua, eu experimento. Resolvo me atrever e faço exatamente como pensei: lentamente, descanso minha cabeça em seu ombro. Mas, o que recebo como resposta me deixa tão surpresa quanto magoada. Quase no mesmo ritmo que eu, Daniel se inclina para o lado, afastando seu corpo do meu. Minha cabeça escorrega de onde estava apoiada e eu olho para ele sem entender.
– Você se importaria em me deixar em paz por um minuto?
– Eu fiz algo errado? – franzo as sobrancelhas, magoada.
Daniel não olha para mim. Ao invés disso, encara as próprias mãos, que estão entrelaçadas e cruzadas sob os joelhos.
– Quero ficar sozinho.
– Está tudo bem? – insisto, empurrando para longe a dor da rejeição numa tentativa inútil de me aproximar novamente.
Ele fecha os olhos e respira fundo, como se precisasse buscar algo dentro de si. Quando volta a abrí-los, ainda não me encara, mas diz, frio como gelo:
– Eu preciso respirar.
Eu me levanto, engolindo a vontade de chorar. O que ele pensa que está fazendo?
– Ok. Desculpe. – sussurro, mas não acho que ele ainda esteja prestando atenção.
Estou prestes a ir embora quando ouço Sarah chamar meu nome. Ela apareceu na porta e carrega um sorriso gentil que direciona a mim.
– Bom-dia, Alissa. Tudo bem?
Engulo em seco antes de responder, me esforçando para que minha voz não saia trêmula ou embargada, mas falho.
– Estou ótima. – Sei que meu sorriso não passa tanta segurança, eu não consegui soar como gostaria.
Daniel olha para mim pela primeira vez e em seus olhos vejo um brilho de reconhecimento, como se ele estivesse finalmente me vendo e se dado conta da forma como falou comigo. Mas não consigo sustentar seu olhar.
Viro as costas e volto para casa, contando minha respiração e tentando a todo custo não sair correndo. Sou forte, sou forte. Venho aguentando tanta coisa nos últimos dias. Sou uma rocha, uma fortaleza, não irei cair.
Chegando em casa, passo direto para o meu quarto.
– Ei, Alissa. – Ouço Luke me chamar da sala. – Quer filmar a gente tocando daqui a pouco?
Eu o ignoro. Mamãe reclama:
– Ah, não! Barulho logo cedo não dá.
– Não é barulho, é música – Luke rebate.
Não presto atenção ao resto da discussão que prossegue a partir daí. Fecho a porta do quarto, finalmente podendo correr e cair direto na minha cama. Enfio minha cara no travesseiro para abafar meu choro, que não dura muito. Preciso me recompor. Sou forte, repito mais uma vez para mim mesma.
Não posso reclamar de como as coisas estão acontecendo agora, desde o início tudo estava fadado a dar errado. Thomas me avisou sobre Daniel, me contou sobre as consequências de ficar com alguém como ele, e mesmo assim eu insisti. Talvez eu seja como Nathan e tenha alguma coisa no meu gene que me faça ser tão patética, sempre me importando tanto com as outras pessoas e o que não é da minha conta.
Talvez eu devesse sair e ir buscar meus pais biológicos também, quem sabe encontre algumas respostas. Ou melhor não. Com a sorte que tenho, provavelmente eles não fazem a mínima questão em me ter de volta em suas vidas, nem que seja apenas para uma visita rápida.
Respiro fundo, controlando a respiração, e me sento na cama.
Sou forte, repito mais uma vez. Não é minha culpa se construí algo que desde o início estava fadado a desabar.
Ao mesmo tempo, me acho dramática. Talvez Daniel só esteja passando por um momento ruim, mais um dos inúmeros que ele costuma ter.
Mas então me lembro do que ele disse: "preciso respirar". Como se eu estivesse de alguma forma atrapalhando, sufocando. Será que estou? Será que durante todo esse tempo em que quis ajudá-lo, na verdade só estava piorando as coisas?
Mordo o lábio, tentando mais uma vez segurar o choro prestes a vir.
Meu telefone toca e eu pulo com o susto. Olho para o identificador de chamadas, por um momento torcendo para que seja desconhecido. Mas não, é Anna. Eu atendo sem muito entusiasmo e ela capta de imediato o tom da minha voz:
– Credo, quem morreu?
Sem conseguir me conter, acabo assumindo:
– A pergunta correta não seria quem, mas o quê.
Anna não demora um segundo em sua resposta, exatamente como eu já esperava.
– Certo, já me sentei. Pode começar a pôr pra fora.
Mesmo não sendo o melhor dos momentos, não consigo evitar de sorrir. Bom, penso comigo mesma, pelo menos ainda tenho uma melhor amiga.
Deito-me na cama outra vez, mas agora de barriga para cima. Enquanto encaro o teto branco acima de mim, começo a falar. Nathan, meus pais, Daniel. Enquanto falo sobre tudo o que vem se arruinando ao meu redor, me pergunto se ainda posso reconstruir alguma coisa com esses mesmos destroços.
A voz de Anna me consolando diz que sim e eu quero acreditar que a esperança que ela me dá não é mais uma coisa condenada ao fracasso.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Afogados
Teen Fiction‣ LIVRO 2 DA SÉRIE SUBMERSOS. Daniel e Alissa já ouviram canções melhores e navegaram por mares mais calmos. Calmos porque, se pensam que o barco em que estavam passou pelo pior, estão enganados. A tempestade mal começou e com ela vem grandes estrag...