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D A N I E L

Doutor, você pode me ajudar? Porque eu não me sinto bem. É melhor fazer isso rápido antes que eu mude de ideia.

(Cold, Cold, Cold Cage, The Elephant)


Algumas coisas simplesmente são inevitáveis. É como dizem, você não pode fugir para sempre.

Três dias para o Natal e eu acordei com uma bela surpresa. Estou indo para uma consulta médica. Antes que eu me pergunte que tipo de médico louco aceita consultar alguém numa semana em que deveria estar de folga, meu pai explica:

– O doutor Mattias concordou em ver você, ele considerou como um caso especial.

Sei o que ele quer dizer com caso especial. Doutor Rodrigo Mattias é o mesmo médico que tratou minha mãe durante anos, o que deu seu diagnóstico mais significativo, que mais se empenhou em ajudá-la, e também o que ela mais detestava ir.

– Não vou a lugar nenhum. – eu falo imediatamente. Até que para isso minha voz consegue demonstrar algum tipo de força.

Meu pai abre um sorriso. Sim, um sorriso. Não gosto desse sorriso. É como se ele já esperasse por esta resposta e tivesse alguma carta escondida na manga.

– Eu sei – ele acena, complacente. – Por essa razão que o Dr. Mattias considerou um caso especial. Não precisa se preocupar, pois não vai sair do quarto. O dr. Mattias é quem vem até você. Ou melhor, já veio. Ele está só esperando a deixa para poder entrar.

Eu praticamente dou um salto da cama, visivelmente surpreso e aborrecido:

– O quê?

– Nós sabíamos que você jamais concordaria em ir ao médico, Daniel. Então demos um jeito de trazê-lo até você. E como também sabíamos que se falassemos com você sobre isso antes você daria um jeito de escapar, resolvemos fazer uma consulta surpresa.

– Consulta surpresa?

Estou tão atordoado que caio de volta sentado na cama. Escondo meu rosto com as mãos, frustrado, e as arrasto para baixo, sem saída.

– Eu não..

– Eu sinto muito, Daniel – ele me interrompe de uma forma séria o bastante para me fazer calar. – As coisas não podem continuar do jeito que estão.

Não tenho mais palavras ou desculpas que possa adiantar de alguma forma agora. Se o que ele disse é verdade, Mattias já está aqui e não adiantará nada protestar para não vê-lo. É provável que isso apenas piore a situação para o meu lado.

Ele entende meu silêncio como concessão.

– Bom, se você já estiver pronto, vou chamá-lo para entrar.

Olho para a janela, tendo um vislumbre de mim mesmo tentando saltar através dela e escapar da situação, mas é tarde demais para qualquer tentativa quando meu pai se afasta da entrada do quarto e dá espaço para ele. Mattias está com seu semblante típico, o de alguém que carrega a vida nas costas e acha que este é um fardo a se contemplar ao invés de lamentar.

Não tenho mais para onde ir. Reprimo o gemido de frustração quando ele me cumprimenta e me sento na cama, encostando-me na parede.

– Olá, Daniel. Quanto tempo.

– Não muito.

Ele sorri, lembrando-se do nosso último encontro. Aproxima-se da minha escrivaninha e puxa a cadeira para se sentar.

AfogadosOnde histórias criam vida. Descubra agora