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A L I S S A

Ele não queria que ela chorasse, ela não quer estar triste, ela disse: "é melhor você não me deixar"

(Flawless The Neighbourhood)

É engraçado como às vezes procuramos exatamente aquilo que nos machuca. Como se possuíssemos um mecanismo que ativa partes masoquistas adormecidas dentro de nós, que até o momento em que surgem nós nem sabíamos que existiam. Por exemplo: nos apaixonamos por alguém que nos machuca, mas isso não nos faz amar esta pessoa menos. Pelo contrário, muitas vezes fazemos questão de continuar apaixonados, ainda que sofrendo.

Estou pensando isso enquanto entro na casa de Daniel, sendo recepcionada por Sarah. Não, não estou insinuando que Daniel me faça sofrer. Não exatamente. Mas não estamos num dos nossos melhores momentos agora. Ele está distante, cada vez mais problemático, e eu estou com minhas próprias questões para resolver. Isso cria um abismo ainda maior do que aquele que já existia antes entre nós, e muitas vezes, para mim, é doloroso tentar avançar dentro deste novo espaço.

– Daniel saiu para dar uma volta, mas deve chegar logo – Sarah avisa assim que me vê.

É engraçado também como as pessoas começaram a nos associar. Sarah sempre fala sobre Daniel quando me vê, como se ele fosse o meu único assunto para conversar. Com ela, talvez seja. É por esta razão que eu resolvo esperar na sala.

Também estou intrigada pela repulsa insistente que Daniel nutre pela nova "madastra", quero entender o que exatamente em Sarah incomoda Daniel. Imagino que seja difícil ver alguém ocupar o lugar da sua mãe em sua casa, mas não enxergo as coisas desse jeito, para ser sincera. Sarah não é e nunca será a mãe de Daniel. Elas são pessoas completamente diferentes, tanto em personalidade quanto em aparência.

O cabelo da mãe de Daniel era castanho avermelhado, enquanto Sarah tem um tom de castanho puxado para o dourado. Hanna tinha o rosto mais redondo, mas Sarah tem o queixo mais proeminente e as maçãs do rosto altas, com seu rosto oval em formato de coração - ou pêssego, como prefiro. O olhar de Hanna, mesmo através das fotos, era muito mais atrevido e misterioso, como se ela sempre estivesse desafiando a pessoa que a olhasse a vir em busca de seus segredos. Sarah tem olhos gentis, sempre delineados, e quase nunca usa batom escuro - ao contrário de Hanna, que em quase todas as fotos aparece usando algum tom de vermelho, vinho ou marrom nos lábios.

– Como foi o Natal por aqui? – eu sou a primeira a tentar puxar assunto.

Sento-me no canto do sofá maior e Sarah está se dirigindo para a cozinha, mas para no meio do caminho, surpresa com minha investida. Ela pausa por apenas um segundo, tentando processar meu interesse súbito, mas logo sorri e se junta a mim, sentando na outra ponta do sofá.

– Foi ok – ela responde, apenas. Eu sei logo que alguma coisa deve ter acontecido. Algo que Daniel não me contou. Só mais um dos seus muitos segredos.

Ainda assim, eu tento não tocar no assunto Daniel por enquanto. Não quero parecer a garota obcecada que no fundo sinto que sou.

– Quem veio tanto?

– Ah, os pais de Leo. Eles são adoráveis. E também Helena e Xavier, que trouxeram Noah.

Os avós do Daniel vieram para o Natal, então. Perdi a chance de conhecê-los. Seguro a vontade de revirar os olhos na frente de Sarah para que ela não pense que estou desprezando sua conversa quando na verdade estou fazendo isso com meus próprios pensamentos.

– Hm – murmuro, pensando no que dizer em seguida, e logo me lembro de algo importante que deixei passar. – E Thomas, não veio?

Sarah vacila. É estranho. Dentre todas as coisas que eu pensei que poderia deixá-la desconfortável, falar de Thomas definitivamente foi a menos imaginável.

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