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A L IS S A

Sinto-me cega, cega por você.

(Blinded Emmit Fenn)


Meus pais chegaram tarde da noite, mas eu ainda estava acordada, inquieta, pensando sobre tudo o que havia acontecido durante o dia. A mensagem de Cristal, o carro na esquina, a forma como Daniel me dispensou.

Depois de uma grande vitória, uma grande derrota. Estava tão triste e chateada pela forma como ele agiu, pedindo para ser deixado em paz como se eu não fosse nem um pouco importante, que não contei aos meus pais sobre o que Cristal havia me dito com tanta empolgação quanto achei que teria.

Eles, por outro lado, não pareceram tão surpresos. Na verdade, segundo o que meu pai me disse, já estavam pensando na possibilidade há algum tempo. O motivo para o sumiço constante dos dois era exatamente esse. Estavam passando hora atrás de hora no antigo trabalho, revisando os arquivos que, por serem antigos, foram escritos a mão, em busca de encontrar alguma pista sobre os pais biológicos de Nathan.

Segundo o que contaram, pelo que constava nos registros o pai de Nathan estava morto há muito tempo. Foi assassinado a tiros numa briga de facções. A mãe de Nathan era o maior mistério. Ela havia mudado de nome para escapar de um relacionamento abusivo e mudado de endereço várias vezes. Meus pais haviam checado pessoalmente todos os lugares possíveis onde acharam que ela poderia estar, mas não a encontraram.

Progredimos um passo, regredimos outro: estávamos no mesmo lugar.

Quando finalmente peguei no sono, não tive um sonho muito agradável, então quando acordei de manhã não esperava que fosse ter ânimo para nada, mas quando mamãe avisou que meus avós viriam para o Natal que achei que nem teria e, portanto, meu pai sairia para fazer compras, resolvi ir.

E aqui estou eu, no meio do supermercado com meu pai e meus dois irmãos brigando sobre qual marca de cereal é a melhor e merece ser comprada.

Achei que fosse me empolgar com o peru ou o Chester de Natal, mas estou mais aborrecida do que qualquer outra coisa. Decido me afastar do grupo e aviso ao meu pai:

– Vou procurar algum chocolate, posso?

Ele me libera com um aceno de cabeça, distraído com a lista de compras feita pela mamãe.

Percorro o supermercado sem muito ânimo e estou passando pela seção de frios quando sou acometida por uma intensa sensação nostálgica. Foi aqui que vi Daniel pela primeira vez, aqui onde trocamos nossas primeiras palavras. Lembro-me perfeitamente da roupa que ele usava, do seu sorriso brilhante e resplandecente. Como ele estava diferente do que é agora.

De repente, penso na garota que o acompanhava naquele dia, Elizabeth, e me dou conta de que era para ela que ele sorria, por ela. Será que se ela ainda estivesse aqui Daniel estaria bem? Mordo os lábios, sendo devorada pela dúvida e pela insegurança. O próprio Daniel admitiu que eles tiveram uma longa história juntos. E mesmo que ele tenha dito que não importava mais, eu não acredito. Foi muito tempo. Comparo pela nossa relação, que é tão recente e ainda assim me marca de uma forma tão intensa.

Como alguém pode fazer tão bem e destruir tanto ao mesmo tempo? É o que me pergunto, avaliando o andamento do nosso relacionamento agora, a forma como estamos cada vez mais distantes um do outro, absortos em nossos problemas e muitas vezes descontando um no outro. No caso de Daniel, o que é ainda pior, ele não desconta em mim, mas apenas me machuca pela forma como lida com suas próprias dores. E eu, como uma boba, achando que posso carregar o mundo nas costas, me encontro cada vez mais perto de cair.

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