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D A N I E L

Se você pudesse ver todos os seus amigos hoje, saberia que são amigos para a vida toda. 

(All My Friends – Kodaline)


"Como resistir a vontade de sumir da face da Terra? Como se manter num lugar seguro quando você mesmo quer pular de um precipício? Como fugir de um tormento se ele está preso dentro de você?"

Eu tento escrever no meu caderno qualquer coisa. Qualquer pequena idiotice que passe pela minha cabeça, mas sinto um peso enorme e fico sem forças. Olho ao redor, visualizando todo o meu quarto, e parece um espaço grande demais para alguém tão pequeno.

Estou sozinho. Pode ser bom estar sozinho às vezes, mas não é a mesma coisa quando a solidão é um sentimento.

Eu me jogo na cama, deixando o caderno de lado, e fecho os olhos. Escureço a mente, apagando qualquer vestígio de luz que possa tentar me enganar e fazer pensar que algum dia serei diferente.


≈ ≈ ≈


– Eu não sabia que depressivos tinham namorada. – Lilo irrompe em meu quarto sem nem bater.

Não tem problema. Eu estou acordado faz tempo. Além do mais, ela está aqui há menos de dois dias e já criou esse hábito que demanda bastante de mim para que eu possa me importar. Estou percorrendo o contorno de cada estrela no teto com os olhos, procurando me distrair, e murmuro, sem estar prestando muita atenção:

– Não entendi.

Ouço-a sentar na cadeira giratória e batucar com algum objeto em alguma superfície. Talvez um lápis na mesa de madeira.

– Eu tinha uma amiga, ela teve depressão e não conseguia namorar ninguém. Ela não conseguia fazer nada, na verdade, igual a você. E o namorado terminou com ela.

Tento ignorar a parte em que ela disse "igual a você", como se eu fosse realmente depressivo. Eu não sou. Esse é só meu jeito. Pode ser que eu esteja meio desanimado com a vida e o mundo, mas não é tão sério. De qualquer forma, pergunto:

– Tinha?

– Tinha o quê?

Mal tenho forças para revirar os olhos de impaciência.

– Você disse que tinha uma amiga que teve depressão. O que aconteceu com ela?

Lilo hesita bastante antes de responder. Acho que ela não quer me contar a verdade.

– Ela está numa clínica particular em outra cidade.

Pela primeira vez desde que começamos a conversar, eu olho para ela. Quero ter certeza de que ela está sendo sincera, mas não consigo saber. É difícil decifrar seu olhar, a forma como ele se estende para longe, pensativo, e depois retorna para você, mirando profundamente como se pudesse enxergar sua alma. Não sei se gosto disso. Me sinto exposto. Não consigo olhar nos olhos dela por muito tempo e me admiro com a ironia: antigamente era eu quem provocava esse mesmo efeito nas pessoas.

– Enfim – ela continua, depois que nota que não falarei mais nada. – Você tem namorada. E ela é bem bonita.

Não respondo. Estamos migrando para o tipo de conversa sem sentido que não me interessa. Poucas coisas me interessam ultimamente. Jogar conversa fora definitivamente não é uma dessas coisas. Lilo parece não se importar, ela continua falando sozinha. Não presto atenção em tudo que ela diz, apenas deixo que fale o quanto quiser e continuo ocupado fazendo contornos e desenhos imaginários entre as constelações no teto do meu quarto.

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