Responsabilidades

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Christopher Goldschmied


Era muito irônico.

Meu pai era um ateu mas estava sendo velado por um padre com tudo o que um bom cristão tinha direito.

Até parece que a Madeleine já tinha planejado tudo, provavelmente ela sabia que ele não iria viver muito. Dava para ver... Não precisava ser nenhum médico para dizer isso.

Assim que eu vi o meu pai eu soube que ele não passaria daquela noite.

Meu pai teve um velório digno aqui mesmo no cemitério, e agora estávamos enterrando ele.

O caixão foi colocado com cuidado no fundo da cova onde a minha mãe também tinha sido enterrada. Bom, agora eles estavam juntos de alguma forma.

Respirei fundo para tentar conter a vontade de chorar de novo. Ergui a minha cabeça e vi Angelique do outro lado. Ela está usando um vestido, meia-calça e um sapato fechado, tudo preto. O seu cabelo está partido de lado e muito bem arrumado, ao contrário de como estava ontem, agora está enfeitado com um diadema de laço de cetim.

Fiquei aqui bastante tempo olhando para ela, pensando em como ela está parecendo uma boneca de porcelana com essa roupa e com as margaridas na mão.

Ela tinha colhido as margaridas no jardim hoje logo que amanheceu.

Eu assisti ela.

Não tínhamos pregado os olhos para dormir. Ficamos a noite inteira acordados. Esperando acontecer...

Aproximei-me e parei desse lado de cá da cova. Apoiei um dos meus joelhos no chão, e me abaixei para ver o nome da minha mãe escrito na placa pregada no túmulo.

Fiz uma nota mental para lembrar-me de trocar por outra onde tenha o nome do meu pai também.

Angelique reparou em minha presença e então nos entreolharmos. Era de tirar o fôlego como ela olhava para mim... Havia muita intensidade e mistérios. Eu podia sentir a frieza do azul dos seus olhos, mas estranhamente eu me sentia mais quente pelo mesmo motivo. É como se eu a derretesse. Gelo em contato com o fogo. Não éramos compatíveis, isso era um fato. E talvez seja esse o motivo do desejo de descontrolado de testar... Talvez só para ver o que acontece...

Ela cheirou a última das suas margaridas antes de esticar o braço para entregá-la para mim. Eu fiquei surpreso, mas aceitei.

Angel ofereceu-me um sorriso triste, e depois indicou com a sua cabeça para que eu fizesse o mesmo que ela e jogasse a margarida sobre o caixão do meu pai...

Eu fiz aquilo e logo depois vi terra começar a ser jogada por cima, cobrindo as flores e depois todo o caixão.

As pessoas começaram a sair, era o fim, mas eu não conseguia me imaginar abandonando o meu pai aqui, então continuei assistindo a terra sendo jogada em cima do caixão dele, até que terminassem o serviço. Só para ter certeza de que ele estava morto e enterrado... Acho que eu não acreditaria nisso se não visse.

Angelique também ficou aqui e foi bom não me sentir sozinho.

— Vamos, Chris — Kira puxou o meu braço e eu travei o meu maxilar e tensionei os meus músculos, não deixando que ela conseguisse fazer eu me mover um centímetro sequer — Vai ficar aí se torturando? — Ela perguntou.

— Sim. Vou. — Respondi em um tom de voz seco.

— Estou tentando te ajudar...

— Vai ajudar se parar de falar — Eu disse e ela ficou calada, mas continuou em pé do meu lado, pude ver o pé dela batendo impaciente no gramado.

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