Dezoito

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MESES ANTES

• Bélgica

Angelique Beaumont


Fui encaminhada para a psicóloga que trabalha para o internato. Não porque eu perdi um filho, até porque as freiras não tinham consciência disso. Elas acharam que seria bom para mim conversar com alguém porque sofri bullying... mas mal sabiam elas que esse era o menor dos meus problemas...

Eu entrei na sala da psicológa e a vi na mesa de escritório, escrevendo alguma coisa em um computador antiquado. Ela olhou para mim sobre os seus óculos de grau e ofereceu-me um sorrisinho educado.

A mulher é loira mas os fios brancos já se destacavam, denunciando a sua idade um pouco avançada.

— Angelique Beaumont, certo? — A senhora se levantou da cadeira e deu a volta na mesa para vir me cumprimentar.

— Sim — Respondi e forcei um sorriso.

— Sou Clare Petit! Quer se sentar? — Ela apontou para um sofá — A consulta pode demorar um pouco.

Suspirei e concordei, depois sentei-me no sofá.

Eu nunca tinha ido à um psicólogo antes. Eu só tinha uma ideia de como era por causa dos filmes que já vi, e até agora parecia ser mesmo igual na televisão.

Era um lugar arejado, o sofá era confortável, havia uma mesa de centro com um jarro de flores artificiais e uma poltrona que ficava do outro lado, em frente à onde eu me sentaria.

Olhei para o lado e vi uma janela grande que permitia que muita iluminação natural entrasse no lugar. As cortinas iam do teto até o chão mas estavam abertas.

Era um lugar legal, nem parecia fazer parte do internato que era uma construção tão sombria. Parece que a Clare tirou do próprio bolso para decorar o consultório...

Eu me sentia bem aqui.

Clare se sentou na poltrona com um caderno de notas e um lápis, olhou para mim com um olhar esperto, endireitou o óculos de grau e sorriu docemente.

Ela ficou me analisando com atenção e eu fiquei a analisando de volta.

— Quer tomar algo? Água? Um refrigerante?

— Refrigerante — Eu pedi um pouco exaltada. Não havia esse tipo de bebida no colégio, apenas água e suco. Nada industrializado.

Ela se levantou, pegou uma coca cola e me deu, depois voltou a se sentar no seu lugar.

Eu abri a latinha e tomei um gole.

— Quer me contar o que aconteceu com o seu cabelo? — Clare perguntou-me com calma — Eu soube que era longo e...

— Algumas garotas cortaram — Eu completei a frase dela.

— É uma pena. Elas não tinham o direito de fazer isso...

— Eu não me importo.

— Não se importa? — Ela me analisou.

Acho que ela estava me analisando desde que eu entrei na sala.

— Há coisas piores acontecendo no mundo.

Eu tomei outro gole de refrigerante e pensei que talvez tenha sido uma péssima escolha, a quantidade de açúcar que eu estava consumindo ali era enorme, era uma bomba de calorias.

Deixei a latinha em cima da mesinha e tentei não demonstrar o meu descontentamento em ter consumido um pouco daquilo.

— Não se sinta culpada por lamentar sobre algo ruim que aconteceu com você porque há coisas piores acontecendo no mundo, Angelique — Clare disse com uma voz suave — Todos nós temos o direito de sofrer por aquilo que nos abala, seja tal coisa pequena ou grande. O sofrimento de outras pessoas não anula o seu.

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