Montado em seu corcel negro, o maior cavalo já visto por Thomas, com o arco em uma mão e uma flecha negra e vermelha na outra. Algumas outras flechas descansavam na aljava atada em seu ombro e posicionada na parte de trás de seu corpo. Trajava vestes negras, com capuz que cobria seus cabelos, e usava uma máscara — algo mais parecido com um lenço — que cobria a parte inferior de seu rosto, deixando apenas seus olhos visíveis. Olhos penetrantes, tão negros quanto suas vestes.
Desceu de seu cavalo, deixando seu arco e flechas de lado, e desembainhando sua espada calmamente. Uma espada fina e comprida, e de coloração diferente.
Aquilo era ouro? Impossível!
Encarou Thomas por alguns segundos, o que o deixou um pouco desconfortável. Era como se aquele Cavaleiro fosse capaz de enxergar através de suas vestes, carne e ossos. Como se visse sua alma.
Ficou alguns metros à frente de Thomas, virando-se em direção do grupo os ameaçava.
— Então, são vocês que estão atacando nobres na estrada da Rainha? — perguntou baixo, andando tranquilamente de um lado para o outro, brincando de cortar o ar com sua espada.
— E quem seria você? — J perguntou, forçando a voz para que soasse firme. Ele tentava esconder o terror em seu rosto ao ver aquele ser negro em sua frente. Já ouvira falar sobre o Cavaleiro Mascarado, e sempre torceu para que nunca o encontrasse.
O Cavaleiro parou e o fitou.
— Vamos, você já ouviu falar de mim. — Sorriu. — Devo informar que a Rainha não ficou nada feliz ao saber que vocês estão atacando seus nobres, mas eu lhes darei duas opções — anunciou, levantando dois dedos cobertos por uma luva também preta.
Ninguém falou nada e o Cavaleiro sorriu. Ele ainda usava o lenço, mas Thomas percebeu que o Cavaleiro se divertia com aquela situação.
Todos esperavam para ouvir o que ele tinha a dizer.
— Vocês podem fugir, eu lhes dou uma vantagem. Ou podem lutar comigo, mas não acho essa a melhor ideia. Se quiserem, podem perguntar aos que já tentaram, mas isso apenas será possível se algum de vocês souber se comunicar com os mortos.
Soltou uma gargalhada ao ver os rostos de espanto dos seus adversários. Ele parecia gostar de vê-los aterrorizados.
Com isso, boa parte do grupo adversário jogaram as espadas aos seus pés e saíram correndo, adentrando a densa floresta. Restando apenas o líder e alguns outros seguidores corajosos, ou idiotas, o suficiente para enfrentar o Cavaleiro.
— Devo admitir, vocês são corajosos — disse impressionado. Olhou para Thomas e fez um gesto com a cabeça para que o rapaz se afastasse. — Mas receio que sua coragem não será suficiente para salvá-los.
Thomas escondeu-se atrás de uma árvore e observou o Cavaleiro, junto dos guardas de seu pai, atacarem o grupo de inimigos.
Para Thomas o melhor guerreiro era, sem sombra de dúvidas, o seu irmão mais velho que lutava no exército de Ennord. Porém, isso mudou no momento em que viu aquela pessoa de vestes negras lutando. Ele movia-se de forma graciosa, desviando de todas as investidas vindas de seus oponentes.
Enquanto os guardas de seu pai já se encontravam caídos e machucados, o Cavaleiro permanecia em pé, sem nenhum ferimento sequer. Ele se movimentava de forma elegante, acertando-os com socos e chutes, cortando-os com sua espada tão rapidamente que não dava tempo de reação aos seus inimigos.
A luta durou apenas alguns minutos, mas para o aterrorizado Thomas, pareceram horas.
Quase todos do grupo já estavam caídos e apenas o líder permanecia em pé. Não porque fosse o melhor entre eles, mas porque o Cavaleiro o havia deixado por último.
Vendo todos à sua volta mortos, o homem ajoelhou-se em desespero.
— Por favor. Tenha misericórdia. — Lágrimas brotaram em seus olhos.
O Cavaleiro sorriu.
Misericórdia? Aquela palavra não significava nada.
— Responda minhas perguntas e eu o libertarei. — Baixou a espada e encarou o homem ajoelhado em sua frente.
Achou engraçado ao ver um fio de esperança brilhar em seus olhos.
— Vocês se dizem ladrões, mas não atacam qualquer um que passe por essas estradas. Vocês escolhem, na maioria das vezes, os nobres mais importantes de Ennord, os aliados da coroa. Mas não me parecem estar em busca apenas de dinheiro. Por quê? Quem os mandou? — A voz do Cavaleiro soou séria.
J permanecia calado, balançando a cabeça negativamente.
— Eu não sei de nada — falou baixo, encarando o chão.
— Se você não sabe de nada, então já não me serve. — Apontou sua longa espada dourada para o único sobrevivente daquele grupo.
— Foi um homem! Eu estava em um bordel na beira de uma estrada, eu lhe disse que estava vindo para a Capital e ele me ofereceu esse serviço — falou rapidamente, encarando o Cavaleiro. — Me disse que eu seria bem pago por isso.
— Você conhece esse homem? Ele era algum nobre? Alguém importante?
— Eu não sei — disse, fitando o nada como se buscasse em suas lembranças algo a respeito de quem o havia contratado. — Ele tinha uma cicatriz no antebraço direito. Uma queimadura, talvez. Isso é tudo o que eu sei, por favor acredite.
Fez-se silêncio por um momento.
— Tudo bem, eu acredito em você — disse o Cavaleiro, virando na direção em que Thomas estava.
O homem levantou-se com dificuldade e suspirou aliviado, agradecendo repetidamente a generosidade daquele nobre cavaleiro.
— Obrigada Sor. Você é muito piedoso.
Os guardas, que também observavam toda aquela cena, arregalaram os olhos em espanto. Thomas teve que cobrir sua boca com uma das mãos para abafar um grito ao ver o Cavaleiro, em um rápido movimento, girar em seus calcanhares e atravessar o corpo daquele homem com sua espada.
O homem agora tinha dificuldades para respirar. Soltava gemidos de dor e sangue saía de sua boca.
— Não. Eu não sou.
Retirou a sua espada, soltando o corpo de J que fez um som abafado ao cair ao encontro do chão. Seu sangue se espalhava pela estrada de terra.
Thomas, seus guardas e o Cavaleiro o observavam ali, soltar seus últimos suspiros.
— Você está livre agora.
Limpou o sangue de sua espada em suas vestes negras e guardou-a.
Thomas observava espantado aquele Cavaleiro mexer nos corpos sem vida caídos na estrada. Ele procurava algo, mas Thomas não sabia o que era.
Nenhum som era proferido por eles. Apenas se ouvia a voz do Cavaleiro que estava calmamente cantarolando uma canção de ninar, mas que Thomas não reconheceu. Ele ainda procurava algo.
— Com licença, Sor. — Thomas começou a falar e recebeu olhares espantados de seus guardas.
O que em nome dos Deuses ele estava tentando fazer? Por que não simplesmente deixar o Cavaleiro terminar seu trabalho e seguir seu caminho?
Ninguém sabia. Nem mesmo Thomas sabia o porquê.
O Cavaleiro continuou a fazer o que estava fazendo, ignorando Thomas que se aproximava lentamente.
— Com licença, Sor. Eu sou filho do Lorde Marcell.
O Cavaleiro continuava o ignorando, mas Thomas queria agradecê-lo de alguma forma.
Andou em direção à carruagem e pegou algo dourado de dentro. Era um dos presentes que seria dado à Rainha, mas isso não importava muito naquele momento.
— Tome — disse, estendendo o objeto para o Cavaleiro. — Isso seria entregue à Rainha, mas se não fosse por você eu não estaria vivo, então, pegue-o.
— Não preciso de seu ouro. — Caminhou em direção ao seu corcel que estava entre as árvores. Ele havia achado um pedaço de pergaminho no corpo, já sem vida, do líder.
Thomas olhou o objeto por uns segundos. Pensou que talvez o Cavaleiro realmente não precisasse daquilo. Ele tinha uma espada de ouro!
Correu seguindo-o.
— E os homens que fugiram? — perguntou.
O Cavaleiro abaixou-se para apanhar o arco e algumas flechas que havia jogado alguns minutos atrás.
— Estarão mortos antes do anoitecer — falou tranquilo, colocando o arco nas costas, junto com flechas.
Thomas se assustou com aquelas palavras, pois ele sabia que eram verdadeiras.
— Nós estávamos indo para o Palácio, para a festa da Rainha que será daqui a alguns dias. Você conhece a Rainha, certo? Fizemos uma pequena pausa em nossa viagem, quando fomos atacados por esse grupo de ladrões. Meu nome é Thomas, a propósito — falou rapidamente e sorriu nervoso.
— Você fala demais! — disse o Cavaleiro, agora olhando-o fixamente. Aqueles olhos negros faziam o corpo de Thomas arrepiar.
Thomas costumava falar muito, principalmente em momentos de nervosismo. E realmente, havia motivo de estar nervoso, ele nunca tinha enfrentado uma situação de perigo como aquela e o Cavaleiro havia acabado de salvar sua vida. Ele estava muito grato.
Ficaram ali se olhando por alguns segundos, até que um grupo de homens, montados em seus cavalos, apareceu. Eles trajavam armaduras escuras, com um desenho de uma grande rosa-vermelha gravada no peito.
Thomas já havia visto aquela rosa em algum lugar.
O símbolo da Rainha! Aqueles homens eram guardas do Castelo.
— Você está bem? — perguntou um dos homens.
Era um pouco mais velho que Thomas. De cabelos claros e olhos verdes que passearam de Thomas até os guardas de seu pai e, por fim, pararam no Cavaleiro.
Ao contrário dos outros, ele não usava armadura. Apenas um traje escuro com o mesmo desenho da rosa-vermelha.
O Cavaleiro fez um sinal positivo com a cabeça e andou até o seu cavalo.
— Pegue seus homens e saia da floresta. Alguns daqueles ladrões ainda estão por aí — disse na direção de Thomas e, com um movimento rápido, já se encontrava montado em seu cavalo. — Não terá tanta sorte da próxima vez.
Disparou em seu corcel, sendo seguido pelos guardas do Castelo, desaparecendo de vista.
— O que diabos aconteceu aqui? — Lorde Marcell havia retornado e estava espantado com a cena.
— Fomos atacados. Um grupo de ladrões apareceu, mas não conseguiram levar nada. Pai... — Olhou fixamente para o seu pai, que o encarava com os olhos arregalados. — Eu vi o Cavaleiro.
— Você o quê? — Seus olhos estavam cada vez maiores, um pouco mais e saltariam da órbita.
Thomas explicou o ocorrido ao seu pai e, ao olhar para seus guardas, franziu o cenho ao ver um deles retirar a flecha do corpo de um dos saqueadores e guardá-la.
Lorde Marcell permanecia em silêncio, estava tentando entender o que havia acontecido.
— Como ele era? — perguntou depois de alguns minutos em silêncio. — O Cavaleiro — acrescentou ao ver o rosto de Thomas franzido em dúvida.
— Aterrorizante!
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A Rainha de Ennord
RomanceRose, coroada aos quinze anos após a morte de seu pai, tornou-se a primeira e mais jovem rainha a governar sozinha o reino de Ennord. E, contrariando a todos, conseguiu transformar Ennord no maior e mais poderoso dos Quatro Reinos. Dez anos depois...