Alguns dias haviam se passado. As comemorações também, mas alguns nobres ainda permaneciam no Castelo para um último banquete.
Foi o caso de Thomas e seu pai.
Thomas não havia visto a Rainha desde a execução do Príncipe Vince. Boatos de que ela estava muito ocupada tentando acalmar os ânimos dos nobres, surgiram. Os nobres de Ennord não estavam aceitando muito bem a tentativa de assassinato da Rainha, se as coisas não se acalmassem, talvez uma outra guerra estourasse a qualquer momento.
Lorde Marcell parecia mais animado que o de costume, o que fez Thomas ficar confuso e desconfiado. Seu pai estava planejando alguma coisa, ele estava certo disso.
— O que você acha de nos mudarmos para a Capital? — perguntou subitamente enquanto comiam o jantar.
— Por que está me perguntando isso? — Thomas rebateu confuso. — Você está pensando em deixar a Fazenda para morar na Capital?
— Sim. — Lorde Marcell sorriu. — Precisamente, na corte.
— Não somos autorizados a viver na corte — Thomas lembrou seu pai. — Só os nobres que trabalham para a Rainha vivem na corte, somos apenas comerciantes de tecidos.
Thomas não queria magoar seu pai dizendo tais palavras, mas aquele desejo de Marcell era impossível. Morar na corte? Uma ideia ridícula! Eles não eram mais que comerciantes, não era como se fossem salvar o reino com seus tecidos. Mas, ao contrário do que Thomas pensou que aconteceria, Lorde Marcell sorriu largamente.
— Estou trabalhando nisso. — Foi a última coisa que falou antes de voltar a sua atenção ao seu prato.
Agora Thomas tinha certeza, seu pai estava mesmo tramando alguma coisa. Ele só desejava que, independente do que fosse, não resultasse em ambos sendo alvejados até a morte pela Rainha.
Ao final do banquete, Daehan apareceu representando a Rainha. Ele agradeceu pela presença de todos ali e desejou que voltassem seguros às suas casas.
Não havia mais que uma dezena de nobres. Os reis de Lowe e Seam já haviam regressado aos seus respectivos reinos. Com a possibilidade de uma nova guerra se aproximando, todos estavam em alerta.
Thomas, que acabara sua refeição, despediu-se de seu pai, o desejando um boa noite, e seguiu para fora do salão onde estava sendo servido o último jantar antes que todos deixassem o Palácio no dia seguinte. Mesmo os nobres que viviam na corte não moravam no Castelo, eram lhes dado alguma das inúmeras residências que existiam nos grandes terrenos ali próximo.
Rose não queria ter dezenas de nobres morando com ela, então apenas os empregados, soldados e membros do Conselho viviam no Castelo.
Estava à alguns passos da porta de saída do salão, quando ouviu alguém o chamar. Era o Conselheiro da Rainha.
— Venha comigo — falou sério. — A Rainha deseja vê-lo.
Um arrepio desceu por sua espinha. Por que a Rainha queria vê-lo?
— Eu não fiz nada de errado — Thomas se apressou a dizer. — Fiz?
— Isso você pergunte para ela quando a encontrar — Robert respondeu seco. Thomas não sabia o motivo, mas teve a impressão de que aquele homem não gostava dele.
Seguiu Robert em silêncio pelos corredores do Castelo. Reviveu os últimos dias em sua mente na tentativa de encontrar algo que justificasse o porquê de estar sendo levado à Rainha. Ele pensou que já tivessem superado toda a história de espionagem e Cavaleiro Mascarado. Mas, e se não tivessem?
Se a Rainha mandar me matar por ter descoberto? Ele estava com medo.
Passaram pelos guardas que estavam parados em frente à uma grande porta de madeira, que levava a um corredor amplo cheio de cômodos, e Thomas reconheceu o lugar para onde estava sendo levado. Era o pátio privado da Rainha. Reconheceu também a silhueta de Rose próxima à fonte que existia no centro do pátio. Mesmo estando de costas para Thomas, era o suficiente para fazer seu coração bater mais rápido do que qualquer outra coisa no mundo era capaz. Ele só não entendia se era de medo ou por algum outro motivo.
— Aqui está ele, Rose — Robert anunciou, fazendo Rose se virar em sua direção.
— Obrigada, Robert. Você pode ir agora — Rose falou calma com um leve sorriso para Robert que a reverenciou e saiu. Não antes de olhar sério para Thomas.
Rose agora olhava para Thomas em silêncio. Esse olhar, exatamente esse olhar, sem demonstrar pensamentos ou emoções, sem mencionar uma palavra sequer, fazia Thomas sentir uma mistura de medo e coragem. Sentia que, talvez, não devesse confiar totalmente na Rainha — como ela mesma o disse para não fazer —, mas de alguma forma aquele olhar também fazia Thomas se sentir seguro. Como se nada no mundo fosse capaz de machucar ele enquanto estivesse com ela.
— Não entendo porque me trouxe aqui, Majestade — Thomas falou após alguns segundos. — Eu fiz algo de errado?
— Me diga você, Thomas. — A voz de Rose não saía ameaçadora como das vezes em que Thomas realmente fora pego fazendo algo errado. A voz dela estava tranquila, o que fez Thomas imaginar que ela já havia resolvido os problemas com os nobres, sejam lá quais fossem.
— Acho que não — Thomas falou pensativo.
Rose sorriu.
— Não. Você não fez nada de errado. — Voltou a olhar a fonte e Thomas a seguiu. — Está aqui porque imagino que seu pai ainda não lhe informou sobre o que me pediu.
— Não estou sabendo de nada — Thomas falou confuso.
— Como eu suspeitava. — Rose sorriu, mas havia um pouco de reprovação em sua voz. — Seu pai me disse que você é alguém muito inteligente. Que já leu centenas de livros e que sabe tudo de todas as coisas. Isso não me importa, se quer saber.
— Imagino que sim — Thomas falou envergonhado. — Meu pai exagera um pouco quando o assunto são minhas habilidades.
— Eu sei. Ele pode ser também alguém muito insistente — Rose bufou. Toda aquela conversa estava deixando Thomas confuso. Ele não sabia onde aquilo ia chegar.
Rose continuou:
— Ele me pediu, implorou, na verdade, para que desse um cargo no Conselho a você.
A boca de Thomas se abriu em choque.
— O quê? — Thomas questionou na esperança de que tivesse ouvido errado. — Por que ele faria isso?
— Todos querem um cargo no Conselho da Rainha — Rose explicou. — Recebo muitos pedidos de nobres para que eu dê um cargo aos seus filhos, mas isso nunca acontece. Conseguir uma vaga no Conselho não é uma tarefa tão fácil, é um número bem restrito de pessoas que fazem parte. Por coincidência, um dos meus escrivães se envolveu em uma briga em um dos bordéis da Capital e acabou morto. Então seu pai, sabendo que havia essa vaga, me pediu para que considerasse colocá-lo.
— Vossa Majestade está me dando o cargo?
— Não. Eu disse que não é algo fácil — Rose respondeu. — Eu particularmente não pensaria em você para ocupar o cargo, mas há alguém que eu gosto que possui uma afeição por você, Thomas. E me pediu para lhe dar uma chance. Se você decidir que quer o cargo, será submetido à alguns testes para provar que está apto para participar do Conselho.
— Se eu decidir? — Thomas repetiu confuso. — Achei que meu pai já houvesse pedido isso à Vossa Majestade.
— E pediu. — Rose confirmou. — No entanto, não será Lorde Marcell quem trabalhará comigo. Ou será? Eu te disse que você deveria fazer o que quer fazer e não as vontades de seu pai. Por isso, pense bem antes de me dar a resposta. Muitas pessoas pensam que viver no Castelo é a melhor coisa que podia lhes acontecer, mas estão enganadas, aqui é cheio de ganância e traição. Bem, você testemunhou isso há alguns dias. A escolha é sua, não de seu pai. Se você ficar na corte, fique por vontade própria e não porque acha que deve isso a ele ou a qualquer outra pessoa. É você quem estará em perigo no momento em que decidir ficar.
— Tudo bem, Majestade. — Thomas esboçou um leve sorriso na direção de Rose. — Eu irei pensar bem antes de decidir algo.
— Independente de sua decisão, Thomas, converse com o seu pai — Rose o aconselhou.
— Eu irei.
Fazendo uma reverência ele deixou o pátio privado. Apesar do choque ao ouvir o que seu pai havia feito por suas costas, Thomas estava sorrindo. Rose estava levando em consideração a vontade dele. Ela sempre o fazia questionar suas escolhas. Se ele fazia as coisas por vontade própria, ou se só queria que seu pai ficasse orgulhoso.
Seu pai nunca lhe forçou a fazer nada, mas também nunca informava ao Thomas sobre suas decisões. Até mesmo escolheu uma jovem nobre para casar com Thomas, sem que ele soubesse, e ficou muito desapontado quando Thomas negou. A jovem rica e de família nobre, bastante famosa em Ennord, ajudaria Marcell a ser mais influente entre os nobres.
Aquilo havia deixado Thomas triste. Ele não queria desapontar seu pai, nunca gostava de ir contra suas ordens. Entretanto, ele não podia se casar com uma desconhecida por quem não tinha sentimentos.
— Bobagem amorosa! Seu pai havia lhe dito. E, mesmo com toda a relutância, Lorde Marcell aceitou o fato de que Thomas não se casaria.
Thomas estava em conflito. Seu pai havia insistido muito para que Rose considerasse lhe dar o cargo. Ele desapontaria o pai mais uma vez ou aceitaria a oferta da Rainha? Mas se aceitasse, o que aconteceria consigo? Rose o disse que o Castelo era um lugar perigoso e traiçoeiro. Ele realmente desejava viver em um lugar como aquele?

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A Rainha de Ennord
Roman d'amourRose, coroada aos quinze anos após a morte de seu pai, tornou-se a primeira e mais jovem rainha a governar sozinha o reino de Ennord. E, contrariando a todos, conseguiu transformar Ennord no maior e mais poderoso dos Quatro Reinos. Dez anos depois...