Rose estava parada olhando uma cascata de água que caía em um pequeno riacho no meio da floresta. Era um local próximo ao Castelo, mas ninguém conhecia.
Costumava ir sempre lá com a sua mãe quando criança, antes da doença levar suas forças e disposição. Passou a ir sozinha e depois, não foi mais.
Foi lá também onde conheceu Lucy.
Rose tinha catorze anos. Era o sexto aniversário de morte da Rainha Anna e ela havia ido lá porque aquele lugar, mais do que qualquer outro no Castelo, a lembrava de sua mãe.
Ficou por horas, sentada, lembrando das brincadeiras na água que faziam, de como gostava de escalar as árvores ali próximas ou de apenas sentar — assim como ela estava — e conversar.
Lágrimas brotaram em seus olhos. Ela não conseguia contê-las, não queria. Então, chorou. Chorou como nunca havia chorado antes, nem mesmo no enterro de sua mãe. Seis anos haviam se passado, mas a perda continuava recente.
Desde a morte de sua mãe, Rose não tinha voltado aquele lugar. Tudo ali a lembrava dela, mas Rose sentia que precisava daquilo. Precisava ir até aquele lugar e lembrar das coisas que faziam juntas. Tinha medo de que se não o fizesse pudesse esquecê-la. Ela não queria esquecer.
Continuava a chorar quando uma voz calma chamou sua atenção.
— Você está bem? — Rose levantou o rosto e encontrou uma menina de vestes simples encarando-a amigavelmente.
— Quem é você? — perguntou, secando as lágrimas. — Essas terras são propriedades do Rei, o que faz aqui?
— Meu nome é Lucy. Eu moro numa pequena casa não muito longe. Sempre venho aqui para pegar algumas frutas. — Sorriu, levantando uma grande maçã em sua mão. — Mas não conte a ninguém. O Rei Lucius me mataria se soubesse disso. Ele é um monstro.
Rose não pôde deixar de sorrir.
— Prazer em te conhecer, Lucy. Me chamo Rose — falou, estendendo a mão para a menina que a apertou gentilmente.
— Eu sei. Você é a Princesa, certo? — Continuava sorrindo.
Rose espantou-se. Aquela menina acabara de insultar o seu pai em sua frente, mas ela não parecia se importar ou demonstrava nervosismo algum em relação à Rose.
— Então você me conhece?
— Todos em Ennord a conhece. — Sentou-se próxima a Rose. — Você está bem? De verdade?
— Vou ficar.
Depois daquele dia, Rose e Lucy tornaram-se muito próximas. Encontravam-se todos os dias naquele mesmo lugar e passavam horas rindo e conversando. Para Rose, era bom ter alguém com quem conversar.
Nos últimos meses, Rose estava mais sozinha do que o habitual. Seu único amigo, Robert, agora trabalhava nos estábulos do Castelo e quase nunca tinha tempo de se encontrar com ela. Conhecer Lucy foi um alívio. Ela não a tratava como uma Princesa, e sim como uma amiga. Para Rose, Lucy era uma fuga da realidade.
Um certo dia, Rose chegou ao ponto de encontro delas, como de costume, mas algo estava diferente. Lucy não estava lá. Ela sempre chegava primeiro e esperava Rose ansiosamente, mas não dessa vez. Rose sentou-se e esperou, por horas, Lucy que não apareceu. Então Rose, desistindo de esperar, voltou para o Castelo, se questionando o que poderia ter acontecido com Lucy para não ter aparecido.
Rose sempre entrava pelo portão que ficava na lateral do Castelo, o menos vigiado de todos, mas dessa vez — por algum motivo que ela não sabia — decidiu ir pelo portão principal.
Ao passar pelo Grande pátio, notou um grande número de soldados agrupados. Sons de chicote eram ouvidos à metros de distância, acompanhados de algumas risadas.
Alguém deveria estar sendo castigado. Rose pensou. Era comum haver pessoas sendo castigadas naquele pátio, ela já havia se acostumado.
Rose aproximou-se curiosa e viu horrorizada que a pessoa a quem os guardas castigavam era Lucy.
— O QUE DIABOS VOCÊS PENSAM QUE ESTÃO FAZENDO? — esbravejou para os guardas, colocando-se na frente de Lucy para protegê-la. Ela os encarou furiosa, os desafiando a prosseguir com o açoitamento, mas nenhum deles moveu um centímetro.
Virou-se para a garota que estava desacordada. Havia cortes por todo o corpo e sangue escorria de sua boca.
Rose tentou, sem sucesso, acordá-la.
Não! Isso não pode estar acontecendo. Rose pensava, o desespero crescendo em seu peito.
Lágrimas corriam de seus olhos. Lucy havia sido torturada até a morte. Espancada por horas, até seu corpo cansado desistir de manter-se lutando.
Mas por qual razão? O que ela poderia ter feito para acabar desse jeito?
Virou-se furiosa para aqueles guardas.
— Vou perguntar só mais uma vez. O que diabos vocês pensam que estão fazendo? — Sua voz saiu baixa, extremamente ameaçadora.
— Foram ordens do Rei, Alteza — respondeu um dos guardas, apontado para a varanda em que seu pai estava. Ela não o havia notado antes. Ele estava sentado em uma cadeira, com uma taça de vinho na mão, como se apreciasse o show de horrores.
Ela correu.
A fúria de Rose aumentava a cada passo que ela dava em direção ao interior do Castelo.
Esbarrou em servos e nobres enquanto corria pelos corredores de pedra e entrou com um estrondo nos aposentos de seu pai.
— O QUE FOI QUE VOCÊ FEZ? — gritou.
O Rei permanecia absurdamente calmo.
— Sobre o que você está falando? — o rei falou, fingindo inocência.
— Por que fez isso?
— Aquela garota foi pega roubando em nossas terras — falou, erguendo-se de sua cadeira e olhando para Rose. — Por que está tão chateada? Era apenas uma filha de camponeses.
— Ela era minha amiga — Rose falou, serrando os dentes.
O Rei sorriu. Aquele sorriso sínico que ela sempre odiou e que a deixou ainda mais furiosa.
— Você não tem amigos, Rose. O mundo para uma Rainha se divide entre as pessoas que te traíram e as que pensam em te trair. Você não pode confiar em ninguém. É o fardo de governar, alguém sempre acaba nos traindo. Aquela garota trairia você mais cedo ou mais tarde, eu te fiz um favor.
— Um favor? — perguntou horrorizada. — Você espera que eu faça o quê? Agradeça? Você não escolhe por mim. Não tem esse direito.
Lucius gargalhou.
— Não? Eu sou o Rei e seu pai, tenho todo o direito que julgar necessário. — Lucius se aproximou, continuava sorrindo.
— Usar uma coroa e sentar num maldito trono não te faz a droga de um Rei. Você só é mais um idiota fantasiado — falou encarando-o.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Rainha de Ennord
RomanceRose, coroada aos quinze anos após a morte de seu pai, tornou-se a primeira e mais jovem rainha a governar sozinha o reino de Ennord. E, contrariando a todos, conseguiu transformar Ennord no maior e mais poderoso dos Quatro Reinos. Dez anos depois...