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Thomas olhou esperançoso para as inúmeras flechas sendo disparadas com muito sucesso em sua frente. Ele sentiu um pouco de inveja das habilidades dos soldados em acertar uma flecha a dezenas de metros de distância.

— Eu gostaria de poder atirar — falou, atraindo o olhar de Rose que o encarou com um pouco de surpresa.

— Você não sabe? — perguntou e Thomas negou com um meneio. — Eu sempre achei que os nobres eram ensinados usar uma espada e atirar desde pequenos.

— Nós somos, mas como eu já disse a Vossa Majestade, eu nunca fui interessado nessas atividades.

— E agora você é? — perguntou e Thomas deu um pequeno sorriso tímido. — Nunca é tarde para aprender.

— Você acha? — Thomas perguntou animado.

— Sim, mas eu diria para começar logo. — Rose se aproximou de Thomas e sussurrou. — Você nunca sabe quando vai precisar se defender.

Sorriu e virou-se, indo para dentro do Castelo. Thomas liberou o ar que não notara que havia prendido e ficou olhando Rose por alguns segundos. Apesar de estar meses morando no Castelo e convivendo com a Rainha, Thomas não conseguia se acostumar com a presença intensa dela. A aura autoritária e desafiadora, os negros olhos capazes de enxergar sua alma, eram motivos suficientes para deixá-lo aturdido. Ela devia ter esse efeito em todas as outras pessoas. Era impossível não ficar nervoso na presença de Rose.

Thomas, após se recompor, seguiu Rose que estava na sala vazia do Conselho.
Passaram algumas horas ali, Rose concentrada em ler alguns documentos e Thomas anotando tudo sobre os treinamentos do dia. Às vezes Rose o mandava buscar ou levar alguma mensagem para alguém no Castelo, o que ele ia de prontidão já que estava tentando parecer a pessoa mais útil de todas.

Depois de terminar suas anotações, Thomas apenas ficou observando, sentado em uma cadeira mais afastada da grande mesa, alguns metros de distância de onde Rose estava. Lembrou do que Robert dissera no outro dia, da tensão que havia entre os reinos e do esforço que Rose estava fazendo para que outra guerra não desse início.

— Está tudo bem? — Thomas perguntou, de repente.

Rose o olhou confusa.

— O quê?

— Soube que as coisas estão difíceis ultimamente — ele falou baixo. — Os nobres estão exaltados com toda a situação do envenenamento, e sei que Vossa Majestade prefere fazer tudo sozinha, mas, apesar de eu não ser oficialmente um membro do Conselho, eu quero dizer que qualquer coisa que precisar que eu faça, eu farei.

Rose sorriu levemente.

— Não se preocupe, Thomas. Está tudo bem. Os nobres estão um pouco exaltados, como você sabe, mas eu estou resolvendo isso. Esse trabalho é meu.

— Como você consegue ficar tão tranquila? — Thomas perguntou espantando com a expressão calma no rosto da Rainha. — Ouvi diversas histórias sobre o Rei Joseph e nenhuma delas eram com finais felizes. Ele é um homem traiçoeiro e, julgando pelo o que o irmão dele fez, acho que todos da família são.

— Não os julguem pelos erros do Vince, Thomas — Rose o repreendeu. — Não estou defendendo Joseph, sei muito bem o tipo de pessoa que ele é, mas até onde sabemos, o Príncipe Vince foi o único envolvido na tentativa de envenenamento.

— Você não acredita nisso, não é?

— Não. — Rose voltou a encarar os documentos em sua frente. — Porém, não temos provas de que mais alguém participou.

— Por que você acha que ele tentou te matar? — Thomas sentou em uma cadeira mais próxima e falou mais baixo, quase sussurrando, mesmo havendo apenas eles dois na sala... — Você acha que foi porque você venceu aquele duelo conta o Farrow e ganhou as terras?

Rose não pôde deixar de sorrir.

— Ele sabia que seria executado se fosse descoberto. Ele não arriscaria a própria vida e a possibilidade de começar uma guerra apenas por algumas terras. — Ela entregou a Thomas um documento com sua assinatura e com a de Joseph. — Essas terras pertenciam à Ennord centenas de anos atrás. Homens e mulheres das Terras Independentes viviam nelas, mas foram tomadas pelo antigo rei de Oris.

Thomas a encarava confuso e Rose continuou:

— Uma coisa que não estão nos livros de histórias é que os Grandes Reis de antigamente fizeram um acordo de que não tomariam as terras Independentes. O Rei Stefano, que era muito pacifista, propôs que todos eles tentassem conseguir as terras sem derramamento de sangue. Caso escolhessem viver em um dos Quarto Reinos, suas terras passariam a ser propriedade do Rei, mas eles ainda eram permitidos morar e cultivar nelas. Se não escolhessem, nada era feito, eles permaneciam com suas terras, vivendo como independentes. — Rose levantou-se na direção de uma pequena banqueta onde ficavam algumas bebidas, serviu duas taças de vinho e voltou a se sentar. —  Então, eles começaram a disputa de quem conseguia conquistar mais líderes das comunidades e, como Stefano era um rei muito querido, muitos dos líderes escolheram segui-lo. O rei de Oris, vendo que era o que menos havia conseguido convencer líderes, teve uma ideia. Mandou homens matarem muitos dos líderes que sobraram e, assim, “convenceu” as famílias a se juntarem ao reino.

— O que os outros reis fizeram? — Thomas perguntou.

— Eles ficaram furiosos, mas Stefano os acalmou. Ele sempre tentou evitar guerras desnecessárias e, por isso, fez outro acordo com Antony: ele continuaria com as terras que tomou e seria lhe dado algumas das que Stefano conseguiu, mas ele teria que parar de matar os líderes das comunidades que escolheram permanecer independentes.

— E ele aceitou?

— Ele não tinha escolha. Se não aceitasse, os outros dois Reis começariam uma guerra contra Oris, e aquilo nem o Rei Stefano poderia evitar acontecer.

— Parece que todos os reis de Oris são idiotas — Thomas falou desgostoso.

— Parece que sim. — Rose sorriu.

— Como você sabe dessa história?

— Eu sou descendente do Rei Stefano. Essa é uma história que é passada de geração para geração, meu pai quem me contou. Obviamente acompanhada com alguns comentários de como o Rei Stefano era medroso e que ele deveria ter atacado Oris e tomado o reino. — Ela sorriu irônica. — Como você pode ver Thomas, alguns Reis de Ennord também são bem idiotas.

Thomas também sorriu, mas lembrou do que Daehan havia contado sobre o relacionamento de Rose com o Rei Lucius. Ela odiava o pai desde criança. Nesse momento, Thomas percebeu como Rose parecia ser solitária. Mesmo sendo Rainha, rodeada sempre de diversas pessoas sendo nobres, servos ou súditos. No final, era sempre ela. Só ela.

— Você não se sente sozinha? — Thomas tentou segurar sua língua, mas não conseguiu.

— Por que está perguntando isso?

— Vossa Majestade não parece ter muitos amigos além do Daehan e Robert. — Thomas tentou falar da forma mais delicada que conseguiu. Não queria irritar a Rainha falando sobre os assuntos pessoais dela. Também não achou que ela falaria sobre. — Você passa todo o seu tempo no Castelo e, como ultimamente eu sou a pessoa que mais convive com você, percebo que você não é muito sociável.

Rose soltou uma pequena risada.

— Agora você está preocupado com meu círculo de amizades? — perguntou divertida. — Eu nunca fui de fazer muitas amizades, esse é o Daehan, não eu. Sempre estive ocupada demais para fazer amigos ou para me importar com o fato de não ter muitos deles. Para formar uma amizade, precisa de confiança e eu sempre fui ensinada a não confiar nas pessoas. Por isso você não me vê com muitas pessoas além do meu irmão e do meu melhor amigo, eles são as pessoas em que eu mais confio. E não Thomas, eles não são meus únicos amigos.

— Quem são os outros?

— Quem são os seus? — ela rebateu. — Você não faz nada além de permanecer em seus aposentos e sair com o Daehan para arrumar confusão. Em números de amigos, você está perdendo.

— Eu tenho muitos amigos — falou orgulhoso.

— Sério? — questionou e Thomas concordou. — E onde eles estão agora?

— Não sei.

— Eles estão bem? Estão casados? Com filhos?

— Eu não sei — ele falou mais alto.

— Você me parece um péssimo amigo — ela falou e sorriu. Estava se divertindo a medida que Thomas ficava irritado.

— Eu estou aqui há meses — Thomas falou, mais calmo dessa vez. — Não pude vê-los ou enviá-los cartas.

— Aqui não é uma prisão, Thomas. Você pode ir visitar seus pais ou seus amigos imaginários quando quiser.

— Não são imaginários.

— Se você diz. — Rose sorriu e Thomas sorriu também.

A Rainha de Ennord Onde histórias criam vida. Descubra agora