30- Lembranças🌹

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Os dias seguintes não foram diferentes. Ele recebia ordens de Robert e as executava. Não via Rose ou Daehan, não sabia o que eles estavam fazendo.
Não voltou a procurar Rose, não queria incomodá-la. Além disso, estava, sim, um pouco chateado.

Para Thomas, o que ele e Rose tinham era algo importante, e ele queria fazer de tudo para manter. Só que às vezes tinha a impressão de que Rose não compartilhava da mesma opinião e desejo.

Tudo bem, você não consegue fazer alguém gostar de você da mesma forma.

Talvez estivesse exagerando, ou até mesmo agindo com infantilidade, porém, se ele não podia conhecer e conversar com a pessoa por quem estava apaixonado, de que adiantaria? Ele não queria algo casual, nunca quis. Talvez tenha sido esse o seu erro, pensar que Rose queria a mesma coisa que ele.

Mais uma noite mal dormida. Outra noite em que ele passou horas se revirando na cama até que os pensamentos parassem e ele conseguisse dormir.

Thomas acordou com batidas na porta de seus aposentos. O sol ainda não havia nascido completamente.

Levantou sonolento, mas logo sentiu como se algo quente tivesse tocado seu corpo, o despertando em segundos, quando viu que quem batia em sua porta era Rose.

Trajava um de seus conjuntos habituais, seus cabelos negros caíam em grandes cachos na altura das costas. Estava muito bonita, como sempre, mas seu semblante estava um pouco diferente dessa vez.

Triste? Preocupada? Thomas não sabia.

— Algo aconteceu? — Thomas perguntou prontamente.

Rose negou com a cabeça, sorrindo um pouco.

— Quero te mostrar algo — ela informou. — Vou esperar nos estábulos.

Após falar isso, virou-se e seguiu para os corredores. Thomas rapidamente foi preparar-se para seja lá qual fosse o lugar que Rose o levaria.


Uma hora depois eles estavam seguindo um caminho a leste do Castelo. O trajeto estava sendo bem silencioso, o que deixava Thomas um pouco preocupado.

O fato de que havia muita grama alta, e nenhuma marca de pegadas ou de rodas das carruagens, indicava que aquele caminho não havia sido utilizado há um bom tempo.

Não demorou muito para Thomas avistar algumas casas próximas. Não tinha muitas, e as que havia provavelmente não estavam habitadas, julgando pelo estado deteriorado delas.

Rose parou à frente de uma dessas casas. Uma bem pequena. Não restava muito da construção original ali. As portas estavam quebradas e soltas das dobradiças, as janelas estavam destruídas e o telhado continha buracos de mais.

Thomas seguiu Rose quando ela desceu de seu cavalo e parou na entrada daquela casa.

— Que lugar é esse? — Thomas perguntou após um período longo demais em silêncio.

— Uma amiga de infância morava aqui — Rose respondeu, correndo os olhos pela estrutura de madeira.

— E onde está essa sua amiga? —  Thomas perguntou curioso, ele não conhecia muitos amigos de Rose.

— Está morta — Rose falou, fazendo Thomas se arrepender de ter feito aquela pergunta.

— Sinto muito.

— Não tanto quanto eu — Rose falou baixo, talvez falando para si própria. Ao encarar Thomas e ver sua expressão confusa, ela continuou: — Já que fui eu a culpada pela morte dela.

— Como assim?

— Meu pai a matou, mas no fim a culpa sempre foi minha. — Rose estava séria e melancólica.

Permanecia ali parada. Não se movia. Talvez estivesse decidindo se entraria na casa ou não. Thomas agora estava entendendo o porquê.

— Por que ele faria isso?

— Por que o diabo faz coisas ruins? — Rose sorriu, mas era um sorriso sem graça, amargurado. — Ele odiou saber que seu filho primogênito era uma menina. Então, sempre que podia me castigar de alguma forma, ele fazia. Algumas vezes me batia, mas preferia outros métodos. Sempre que eu estava feliz com alguma coisa, ele a tirava de mim. Quando minha mãe estava por perto, eu conseguia lidar melhor com tudo isso. Ela era o meu escape. Mas depois que ela morreu, tudo começou a desabar.

Rose parou de falar e ficou fitando um ponto fixo da porta de madeira por algum tempo. Thomas não disse nada.

— Então um dia, eu a conheci... Lucy — Rose continuou. A forma como ela falou o nome da amiga mostrava o carinho que ela possuía. Mas também mostrava a culpa que ela carregava. — Eu estava chorando pela minha mãe, e ela apareceu. De repente. Com uma maçã na mão que havia pegado de uma das árvores do reino. Ela perguntou se eu estava bem e pela primeira vez em muito tempo eu senti que alguém realmente parecia se importar comigo. — Rose sorriu levemente. — Nós ficamos bem próximas, ela era a única amiga que eu tinha. A única pessoa que me fazia esquecer de todas as coisas ruins que aconteceram comigo. Porém, o grande rei Lucius decidiu que ela não era a amiga que eu deveria ter, então a matou. Ele queria me ensinar sobre depositar a minha confiança em pessoas erradas. Bem, não foi esse o real motivo. Ele executou uma criança e sabe o que ele falou para os pais dela? Que ela havia sido pega roubando nas propriedades do reino.

— Ninguém o confrontou por isso? — Thomas perguntou indignado. Aquela história era absurda demais.

— Quem confrontaria um rei, Thomas? — Rose o encarou. — Quem escolheria o lado de uma filha de fazendeiros, sem prestígio ou títulos de nobreza? E ele nem ao menos deixou os pais enterrarem sua própria filha. O corpo dela simplesmente sumiu. Depois de um tempo descobri que ela havia sido enterrada como a ladra que ela era, segundo meu pai. Isso tudo porque eu a trouxe para minha vida. Todas as pessoas na minha vida acabam machucadas, Thomas. Você deveria ir embora enquanto tem a chance.

— Rose, eu sinto muito, muito mesmo. — Thomas segurou as mãos de Rose. — Seu pai era cruel demais com você, mas não é sua culpa, você não tinha como saber.

— Sim, Thomas. Eu sabia. No fundo, eu sabia que meu pai não permitiria aquela amizade, ele nunca poupou esforços em fazer a minha vida infeliz. Ele foi responsável por estragar cada momento de felicidade que eu tive — disse Rose. Ela parecia angustiada, triste, magoada. Thomas nunca tinha a visto daquela forma antes. — Eu só queria ter a salvo. Ela não merecia uma pessoa como eu na vida dela. Uma garota doce e gentil. Apenas uma filha de fazendeiros humildes, mas que conseguiu me dar mais do que eu, mesmo com toda a riqueza que possuo, poderia sequer retribuir.

Thomas não sabia o que dizer. Estava realmente triste com toda a história contada por Rose. Ele não entendia como o rei conseguia ser tão cruel com a própria filha.

— Eu passei noites pensando em visitá-los — Rose continuou. — Os pais da Lucy. Pensei em escrever-lhes uma carta, mas nunca o fiz. Nunca tive a coragem.

— Por que não?

— O que eu lhes diria? Um pedido de desculpas? Eu havia causado a morte da filha deles, nada que eu dissesse ou fizesse importaria — Rose falou baixo. — Eu não conseguiria tirar a dor deles.

— Eles poderiam ter te perdoado.

— Eu sei. — Rose sorriu como se lembrasse de algo. — Eles provavelmente eram bondosos como a filha. Mas eu não merecia o perdão deles, Thomas. Eu mereço carregar essa culpa.

Thomas ficou em silêncio, observando a casa alguns metros de distância. A casa onde a amiga de Rose costumava morar. Amiga essa que foi assassinada pelo rei.

Ele sabia o porquê Rose estava ali, sabia o porquê de tê-lo trazido. Ela estava dando a ele o que pedira. Estava o deixando conhecê-la melhor.
Ele estava feliz por isso, mesmo que toda aquela situação fosse triste, ele estava grato por Rose ter lhe contado.

— Foi você quem quis saber — Rose falou, como se estivesse se desculpando por contar algo tão triste.

— Eu sei. — Thomas sorriu um pouco. — Obrigado por me contar.

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