Lucy

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Não dava para negar, eu estava encantada com uma em especial.

Assim que avistei os cachos castanhos cor de terra voando e se debatendo numa pele morena, parecia que meu coração tinha feito a escolha. Os olhos verdes, parecidos com duas pequenas esmeraldas, junto com o brilho do sorriso inocente que transbordava nos lábios daquela pequena garota haviam me prendido a atenção. Os bracinhos finos se estendiam ao ar, numa tentativa inútil de pegar um grande balão azul, e a careta que ela fazia, mostrando decepção, me fazia sorrir.

Ela era linda. Parecia uma miniatura de anjo travesso. O vestido amarelo com bolinhas brancas estava terrivelmente sujo de barro e os pés se encontravam descalços. Deveria ter cinco anos, pelo que eu podia ver. Tinha um tamanho adequado para uma idade mais avançada, mas seu rosto era infantil e delicado, que nem de uma boneca pronta para ser ninada. Não adiantava tentar mover o meu rosto, porque meus olhos seguiam somente aquela criança maravilhosa.

Os dedos de Christopher tocaram o meu braço e ele murmurou algo em meu ouvido que não foi escutado, porque no mesmo momento, a menininha cruzou os braços e bufou, desistindo da tentativa de pegar o balão. Afastei-me de Christopher e da senhora Nilton, indo em direção a ela, sem saber de onde havia tirado coragem para aquela iniciativa. Peguei o balão com uma mão e me agachei, ficando da altura dela, e sorri enquanto lhe entregava o balão. As esmeraldas de seus olhos criaram brilho e com um sorriso levado ela me agradeceu, pegando a bexiga e saindo correndo em seguida, exibindo a sua conquista.

Olhei para trás e vi Christopher observando a menina com os olhos. Ele tinha entendido.

Quem é ela? — Christopher perguntou para a senhora Nilton, que mirou a garotinha e ajeitou os óculos.
— Não creio que ela seja a escolha adequada... Quer dizer, ela está para completar seis anos e, pelo que entendi, vocês gostariam de uma criança até os três.

Lucy in the sky with diamonds... Lucy in the sky with diamonds...

Não nos importamos com a idade — ele disse — Quem é ela? — voltou a perguntar.
— A pequena Lucy.
Lucy... — ele murmurou e olhou para baixo, encontrando o meu olhar — Lucy in the Sky...
— With Diamonds... — completei a música sorrindo para ele e me levantando — Christopher... — falei sem saber o que falar e ele, sorrindo esplendorosamente, respondeu.
Queremos ela.
— A Lucy? — ela pareceu surpresa — Não querem conversar com ela por um minuto, para terem certeza?
— Não. É ela.
— Bom, está bem — ela parecia estar se conformando — Vou lhes entregar a ficha de Lucy com os dados. Creio que vocês gostariam de um dia de visitação, não é mesmo?
— Perdão... Como assim? – eu questionei.
— Esse instituto oferece um dia ao lado da criança, para conhecê-la melhor. Claro que temos algumas normas que são obrigadas a serem seguidas, mas acho que vocês vão querer um dia de visitação, não é mesmo?
Como é mais ou menos esse dia de visitação? – foi a vez de Christopher questionar.
— Ela visita a casa de vocês e vocês vêem se ela preenche os requisitos que...
— Nós queremos! — quase gritei outra vez e levei uma mão à boca, engolindo a ansiedade — Por favor?
— Claro, minha querida, mas por favor, vamos voltar ao meu escritório para terminarmos nossa conversa. Ainda temos algumas coisas para discutir.

***

          

— CHRISTOPHER, COMO ASSIM UM PROCESSO DE ADOÇÃO PODE LEVAR ANOS? ANOS! — eu gritava enfurecida enquanto batia a porta da entrada de casa, sem conseguir controlar meus atos — NÃO SE DEMORA TANTO ASSIM PARA CONFERIR ALGUNS PAPÉIS! NO MÁXIMO UM MÊS!
Meu amor... — ele me seguia, retirando o terno e afrouxando a gravata — Temos que entender que é um processo que tem um tempo de duração indeterminado. A Sra. Nilton foi bondosa em nos deixar receber a Lucy em nossa casa daqui duas semanas, porque geralmente a criança só faz a tal da visitação depois de um mês... Sem contar que ainda não entregamos os documentos.
— Porque a Madonna consegue adotar uma criança de uma hora para a outra e nós não? Em que porra de mundo injusto nós vivemos?
A Madonna pode ser a Madonna, todavia a adoção dela causou o maior tumulto mundial.
— Continua sendo injusto, Christopher! — tirei o colar de pérolas e coloquei em cima da mesa de jantar, indo para a cozinha — Maldita Madonna.
A Madonna não tem nada a ver com isso, anjo! — ele ria da minha cena e eu o encarava, irritada — Culpe as leis dos Estados Unidos.
— Não defenda a Madonna! — rugi entre os dentes e peguei um copo — Daqui alguns anos eu posso estar morta! Morta de tanto esperar essa porra de país com essas leis de merda tomar alguma atitude! Por isso que o mundo não vai para frente! Porque eles só sabem enrolar!

Amor, você bebeu alguma coisa?
— Não, mas vou! — ia pegar uma garrafa com qualquer coisa alcoólica quando as mãos de Christopher pousaram em minha cintura e ele me virou, me afastando das gavetas de bebida.
Coloque uma roupa de ginástica.
— Ah, Christopher, não estou com humor para fantasias sexuais agora!
Quem falou em sexo aqui? — ele arqueou uma sobrancelha, totalmente confuso — Vamos correr.
— Correr?
Correr libera adrenalina e acalma... O que você está precisando no momento.
— Eu não quero correr, idiota! — falei sem perceber o que tinha dito e quando me toquei o encarei, ambos chocados.

Pela primeira vez eu havia o xingado. Durante todo aquele tempo, meu primeiro xingamento — involuntário — para ele. Nós dois estávamos boquiabertos e nos encarávamos em silêncio. Eu vi que ele queria rir, mas continuava em transe, e eu me condenando ao inferno por ter dito algo como aquilo.

— Perdão, bebê, perdão! — me atirei contra ele, enchendo o seu rosto de beijos implorando minha remissão — Perdão! — continuei falando sem parar, até que o olhar dele encontrou o meu e ele começou a rir, dando um beijo na minha testa.
Você me chamou de idiota.
— Não, não chamei! Chamei de bebê! — murmurei envergonhada como nunca, escondendo meu rosto entre minhas mãos.
Meu Deus — ele continuava rindo — Você quer mesmo a Lucy!
— Claro que eu quero! — falei com simplicidade, ainda acanhada — Mas me desculpe! Prometo que volto a xingar a Madonna! — sussurrei.
Não sei se vou lhe perdoar...

— Não fala isso! Meperdoa, bebê! — quase comecei a chorar e ele voltou a se aproximar de mim,dessa vez com um sorriso lateral malicioso.
Só lhe perdoou sevocê ganhar de mim em uma corrida.
— Então prepare-separa me perdoar — sorri aliviada e lhe dei um selinho antes de me dirigir aporta da cozinha — E para perder.

À Primeira VistaOnde histórias criam vida. Descubra agora