Desempre...

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— COMO ASSIM, PAULA? EU PAREI DE TRABALHAR AQUI DURANTE UM MÊS E QUANDO EU VOLTO VOCÊ ENLOUQUECE? VOCÊ SÓ PODERIA ESTAR LOUCA EM... EM... ACHAR QUE EU VOU TRABALHAR AO LADO DO MARCO! LOUCA! – gritei irritada como nunca, encarando Paula como se ela estivesse brincando com a minha cara – Você sabe que eu nunca farei isso!
— Dulce, tente me entender! Não o contratei por vontade própria... Quer dizer, nem o contratei, para ser sincera. Luís me pediu e não pude dizer não! Ele é filho do dono da UckermannRP, Dulce! Quem sou eu para não aceitá-lo aqui?
— Ah, corta essa! – falei entre os dentes – Olha aqui, Paula, eu gosto e tenho muito respeito por você, mas já estou cansada desse teatro todo! Você não é um boneco ventríloquo e sabe muito bem que Marco irá levar a UckermannRP a falência com tamanha intolerância, incapacidade e idiotice. Eu não quero estar aqui para levar a culpa, ter que socorrê-lo ou até mesmo ensiná-lo como fazer algo que ele nunca irá aprender.
— Dulce, o Marco não deve ser tão ruim assim. Ele está trabalhando aqui há uma semana e não causou nenhum problema.
— Paula, ele é um vagabundo! Viveu à custa do dinheiro do pai e nunca trabalhou com nada! Como você acha que ele conseguirá assumir uma responsabilidade tão grande? Você só pode estar louca!
— Dulce... – a voz dela era imploradora, como se soubesse o que eu estava prestes a fazer – Por favor, entenda. Não posso despedir Marco.
— Você não pode despedí-lo, mas eu posso me demitir. Eu me demito.

~~~


— Christopher, pelo amor de Deus... – escutei Maite falando no corredor – Você precisa vir para a sua casa agora!
— MAITE, PARE COM ISSO! – gritei irritada, quase jogando o abajur na porta – Christopher não precisa sair do trabalho para ter que me aguentar numa crise! – cerrei os olhos e encarei Anahí, que se encontrava sentada na cama em silêncio.
— Não, não era nada. Só a Dulce dando um ataque.
— CALA A BOCA, MAITE!
— Ela está assim porque se demitiu.
— MAITE, CALA A BOCA, PELO AMOR DE DEUS!
— Porque o Marco deve ter obrigado o seu pai a empregá-lo na UckermannRP e... Alô? Alô? Christopher?
— AI, MAITE! – gritei ainda mais alto, sabendo o que ela causara – CHRISTOPHER VAI ME MATAR! – choraminguei ainda revoltada e a porta do quarto se abriu. Maite entrou assustada com a bagunça que eu havia feito e caminhou até o lado de Anahí, sentando-se imediatamente.
— Porque ele a mataria, Dulce? – Anahí perguntou – Estou é mais preocupada com ele do que com você, para ser sincera. A única coisa com que você tem que se preocupar é em achar um bom advogado para defender o Christopher, pois tenho certeza que ele vai acabar assassinando o Marco e quanto melhor o advogado que você contratar, menos tempo na prisão ele vai pegar...
— Anahí, nem brinca com isso! – Maite respondeu.
— IDIOTA, IDIOTA, IDIOTA! Porque esse homem não morre? Será que ninguém percebeu que ele só quer um emprego naquela maldita empresa pra me atormentar todo santo dia? Por que ele tinha que voltar para New York? Porque ele não poderia simplesmente sumir do mapa de uma vez por todas? Desgraçado, filho de uma puta! Mas que merda! – joguei um sapato no banheiro e por um momento me assustei comigo mesma, mas no outro já estava destruindo tudo por onde passava novamente.
— DULCE, TOME CUIDADO COM O QUARTO! Ele ainda tem cheiro de novo e não pode ser destruido dessa maneira...
— Mai, não peça para morrer.

— FILHO-DA-MÃE! – joguei um travesseiro em Anahí – DESGRAÇADO! – joguei a colcha na cara de Maite – NOJENTO! – quase virei o colchão, só que não tive essa força toda – VOCÊS DUAS SÃO UMAS GORDAS! – reclamei por não ter conseguido virar o colchão.
— Ai você está apelando, Dulce. Lembre-se que temos uma grávida aqui. – Anahí as defendeu.
— TANTO FAZ, EU SÓ QUERO ARRANCAR A CABEÇA DAQUELE IMBECIL!
— Acho que ao invés de ligar para o Christopher, eu deveria ter ligado para a polícia – Maite sussurrou e Anahí prendeu uma risada.
— PAREM DE FAZER BRINCADEIRAS! ISSO É MUITO SÉRIO! VOCÊS NÃO PERCEBEM A GRAVIDADE DA SITUAÇÃO E...
Meu Deus, algum furação passou por aqui?

Fechei a boca imediatamente e abri um sorriso calmo, me assustando com a tranquilidade que Christopher me causava. O encarei sorridente e escutei os resmungos de Maite e Anahí, como se não acreditassem que agora eu estava fazendo o papel de princesa indefesa.

— Furação Dulce, conhece? – Maite perguntou irônica e não consegui evitar a revirada de olhos que dei.
— É um salve-se quem puder... – as duas continuaram murmurando revoltadas e lembrei que deveria estar revoltada também.
— MAS É CLARO! EU ESTOU DESESPERADA, NERVOSA E... E...
— Irritante.
— IRRITANTE É O SEU CU! – respondi para Anahí.
— Dulce, olha a boca! Tem crianças aqui! – Maite passou a mão na barriga e mordi os lábios, tentando me calar outra vez.
Amor – Christopher chamou e segurou os meus ombros delicadamente – Olhe diretamente para mim! – eu olhei aqueles olhos castanhos maravilhosos, quase sorrindo novamente – Agora inspire e expire. Inspire... Expire...
— Quem está para fazer um parto aqui é a Maite, amor! – ele riu e me senti derreter.
— Olha, quer saber? Vou acender alguns incensos pela casa para eliminar esse clima tenso!
— E eu vou preparar um chá!

As duas se levantaram e saíram correndo do quarto, antes que eu pudesse raciocinar.

— Ah, Christopher! – fizum pouco de drama e me joguei totalmente em seus braços – Está tudo mal! Tudopéssimo! – e o pior é que o meu teatro acabou se transformando em realidadequando comecei a chorar que nem uma tola, percebendo finalmente que nãotinha mais emprego.
Meu amor, fica calma.
— Como você quer que eu fique calma? Não tenho maisemprego! Sou uma desempre... Desempre... – não consegui terminar de falar ecomecei a soluçar – Desempre...
Dulce, pelo amor de Deus! Você é a pessoa mais competenteno seu ramo! Você acha que irá continuar desempre...
— NÃO FALE ESSA PALAVRA! – tampei a boca deledesesperada, sem parar de soluçar.
Você acha que irá continuar sem trabalhar pormuito tempo, amor? – ele abriu o meu sorriso preferido e deu um beijo em minhatesta.
— Está tudo de ponta-cabeça, Christopher! A bolsa estáem baixa e cada dia mais está difícil de achar um emprego! Agora irei ter quecomprar um jornal e olhar os... Classificados! – falei aquela palavracom um pouco de medo e comecei a chorar – Ai meu Deus! Não vou ter dinheiropara... Pagar as contas! Ai, meu Deus! Christopher, não vou ter dinheiro parapagar as contas!
Dulce, por acaso você está pensando no que? Quevou lhe expulsar de casa agora? – ele revirou os olhos e escutou outro dos meussoluços – Não estou cobrando nada de você.
— Mas eu não quero que você pague tudo sozinho! –reclamei – Atualmente o mercado de trabalho está igualmente balanceado entrehomens e mulheres! Não quero que você pague tudo para mim porque é injusto etotalmente machista! Não quero ter que pedir dinheiro para comprar uma roupa oualgum sapato... — Amor, já lhe disse que você não irá ficar muitotempo desempre...
— SEM EMPREGO! – o corrigi, antes que ele dissesse aquelapalavra.
Sem emprego. Eu sei o que vai te animar!
— Um emprego novo? – sussurrei e ele balançou a cabeça,ainda sorrindo para mim.
Vamos comprar sapatos!
— Christopher, você está tentando me comprar!
Estou tentando comprar a sua felicidade, já quevocê não se animou com a minha presença! – ele ficou manhoso imediatamente erevirei os olhos, não acreditando naquelas palavras.
— Deixe de ser bobo! Claro que fiquei feliz ao vê-lo! –lhe dei um selinho – Mas a situação em que me encontro é crítica para mim!Tente entender, assim que sai da faculdade comecei a trabalhar imediatamente.Nunca fiquei mais de alguns dias sem trabalhar... Ou melhor, sem ter emprego!Tenho quase 30 anos e nunca passei por uma situação de desempre... Desempre...Ah, você sabe do que estou falando! – quase desabei no choro de novo – Desde os18 anos não peço nada para ninguém. Nunca pedi dinheiro emprestado, nuncafiquei devendo pra ninguém. Sempre fui financeiramente independente, meuamor... Não quero começar a depender de alguém para me dar dinheiro agora!
Vou repetir mais uma vez... Ou melhor, ireiapostar com você! Aposto que você arranja um novo emprego em menos de um mês! –ele me abraçou e eu respirei fundo, tentando engolir aquilo tudo.
— E o que irei fazer em um mês? Dormir?
Depender um pouco de mim...
— Já dependo de você, só que em outros aspectos! –olhei em seus olhos e dei um sorriso doce, recebendo um beijo na ponta donariz.
Dinheiro não traz a felicidade, meu amor.
— Eu sei... – murmurei – Você que traz! – ele riu e mebeijou nos lábios – Mas aquela proposta de comprar sapatos ainda está de pé? –ele gargalhou e me abraçou mais uma vez, rindo contra o meu cabelo - Claro quedepois irei lhe pagar cada centavo!
Você é impossível! – ele falou e eu sorri -Vamos. Vamos chamar Maite e Anahí para ir também.

Comprar sapato não adiantou muito, mas me acalmou bastante, como tambémaumentou o meu closet. Eu até que estava feliz e me diverti muito ao lado deAnahí, Maite e Christopher. De noite saímos em casais para um restaurante,comemos e fomos ao cinema. Era impressionante que todos ali estavam fazendo detudo para me acalmar e estavam conseguindo. Amenizaram o clima facilmente eAnahí conseguiu me encantar, cedendo à chance de comprar um vestido maravilhosovintage que ela estava de olho há anos (porque cá entre nós, não existe ninguémmelhor na briga por vestidos do que a Annie!). Meu humor estava no topo! Óbvioque quando eu me lembrava do meu emprego - ou melhor, da minha falta de emprego– queria cair no choro mais uma vez, mas ninguém permitia.    

À Primeira VistaOnde histórias criam vida. Descubra agora