Capítulo 10

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Capítulo 10

Ainda consigo me lembrar do gosto do remédio em minha boca; o pior sabor que eu já havia experimentado na vida, com toda certeza! Só demorou alguns minutos para que eu sentisse os efeitos da estupidez que tinha acabado de cometer.

A primeira coisa da qual me recordo é ter sentido um estranho formigamento. Era como se houvesse formigas por toda parte! Minhas mãos formigavam, meus lábios também e até minha gengiva.

Comecei a tremer e, quando dei por mim, já estava tão suado que a camisa que usava naquela hora parecia estar colada ao meu corpo. Senti tontura, fiquei desorientado e, por fim, veio a dificuldade para respirar. Uma dificuldade enorme! Por mais que eu tentasse inalar, o ar parecia simplesmente não chegar aos meus pulmões.

Comecei a entrar em desespero. Me levantei da cama, que a essa altura já estava encharcada com meu próprio suor, apanhei no criado mudo meu celular e o frasco de comprimidos. Então saí do quarto para buscar ajuda.

Tentei ligar para Jessie várias vezes, mas minha vista estava embaralhada e eu não conseguia discar os números. Tentei gritar por ajuda, mas me faltava fôlego. Tentei subir as escadas, mas me esvaíram-se as forças. Caí indefeso. Uma queda brusca, repentina e dolorosa.

Felizmente, o baque surdo do meu tombo chamou a atenção dos demais que estavam na casa. O primeiro a vir em meu socorro foi Joy, o cachorrinho. Ele me viu inerte nos degraus e latiu o mais alto que pôde. Seu latido fino me incomodou os ouvidos mais do que o de costume.

Minha visão era turva e estava escurecendo, eu não tinha mais certeza se estava acordado ou não. Mas lembro-me de ter visto Jen aparecer de pijamas no alto da escada e dar um grito estridente ao me ver no chão. Logo Jolene apareceu e correu até mim, para tentar ajudar.

— Sam, o que aconteceu? — ela tocou levemente em meu rosto coma palma de sua mão repetidas vezes, tentando me fazer reagir.

Semiconsciente, eu não conseguia falar. Era como se as palavras simplesmente não saíssem de minha boca, mesmo que eu tentasse. Juntando todas as minhas forças, ergui a mão na qual eu tinha o frasco de comprimidos, e Jolene percebeu o que estava acontecendo.

— Acho que ele está tendo uma overdose de Oxycontin! — gritou.

Em poucos segundos, todos estavam ao redor de mim. James me pegou cuidadosamente, me colocando estirado no tapete da sala. Eu fazia um esforço tremendo para tentar respirar, mas já estava ficando sem forças. Foi quando vi James se afastar de mim e levar seu celular ao ouvido, provavelmente para chamar uma ambulância, eu supus.

Ambulância essa que nem sequer vi chegar. Quando dei por mim, já estava dentro dela. Havia paramédicos a minha volta e notei que usavam um balão de oxigênio para me ajudar a respirar. Finalmente eu podia sentir o ar entrando outra vez em meus pulmões, eles inchavam e esvaziavam em um ritmo mecânico, auxiliado pelo balão que haviam sabiamente colocado sobre o meu nariz e boca.

Chegamos ao hospital e eu ainda não estava 100% consciente do que estava acontecendo. Era como se estivesse em uma espécie de sedação moderada. De qualquer forma, ainda podia ouvir as pessoas falando ao meu redor.

— Ele sofreu uma superdosagem de oxicodona — alguém disse.

— Levem-no para o leito 3 — outra voz falou.

Confuso, ainda tentei falar, mas realmente me parecia algo impossível naquele momento.

Uma médica bonita parou diante de mim e falou tranquilamente:

— Nós vamos cuidar de você agora. Fique calmo.

Foi quando eu apaguei de vez.

Quando recobrei a consciência, eu estava em um quarto de hospital. A primeira coisa que fiz foi tentar respirar fundo. Senti o ar entrando devagar em meus pulmões. Que alívio! Me dei conta de que havia uma cânula de oxigênio que levava o ar diretamente para o meu nariz através de dois pequenos tubos posicionados um em cada narina. Sorri com a imagem de Meggie na mente, lembrando que eu já havia a visto usar aquele mesmo tipo de equipamento várias vezes no seu curto período de vida até aquele dia.

Olhei a minha volta e finalmente percebi que não estava sozinho. Jessie estava parada bem ali ao meu lado, me vendo acordar. Jolene também estava no quarto.

— Bom dia, dorminhoco! Você nos deu o maior susto noite passada — Jessie falou sorrindo.

— O que aconteceu? — perguntei, ainda meio zonzo.

— Você teve uma overdose.  — Foi Jolene quem respondeu, soando ligeiramente irritada. — O que você estava pensando?

— Me desculpe, eu só queria aliviar a dor e...

Antes que eu terminasse minhas explicações, Jolene me interrompeu:

— Vou chamar a médica.

E saiu do quarto.

— Minha mãe sabe que estou aqui? — falei com Jessie, que agora era a única pessoa além de mim ali.

— Sim. Na verdade ela passou a noite inteira aqui com você. Só saiu agora há pouco com o namorado dela. Disse que era importante.

— Não acredito!

— Ela disse que era importante, Sammy. Mas que voltava logo.

A médica bonita que eu tinha visto quando cheguei ao hospital agora entrava no meu quarto com um tablet em mãos.

— Olá, eu sou a doutora Rosenberg. Estava de plantão essa madrugada quando você chegou. Como está se sentindo?

— Bem.

— É, você realmente parece melhor do que quando deu entrada. Sabe por que está aqui?

— Acho que tomei remédios demais.

— Quantos exatamente?

— Dois... ou três. Não me lembro bem — menti. — Mas é porque um só já não fazia mais diferença para mim.

— Certo. Há quanto tempo você toma Oxycontin?

— Pouco mais de um mês, eu acho.

— Por que começou a fazer uso?

— Tive uma lesão na coluna. Foi o doutor Walcott quem me prescreveu, aqui mesmo, neste hospital — sinalizei.

— Eu sei. Tenho seus dados aqui — ela balançou o tablet. — Só estou checando.

— Entendi.

— Walcott te receitou esse remédio há quase dois meses. Você já não deveria mais estar sentindo dores pela lesão que teve. É mais provável que o que esteja te causando essa dor seja o próprio remédio.

— O quê? O remédio prescrito para me tirar a dor, está me causando ela?

— É um dos sintomas da drogadição — Rosenberg explicou. — Primeiro o corpo cria uma resistência; a pessoa acha que uma dose só não é suficiente. Depois vem a dependência; o indivíduo já não aguenta mais ficar sem a droga. É como se o seu corpo acreditasse que precisa do medicamento e pedisse por ele. Por fim, vem a intoxicação, ou superdose. É o estágio em que você se encontra no momento. Causa depressão respiratória, tontura, confusão mental, sonolência, náuseas e pode até levar a um coma. Felizmente, não chegamos a isso.

Ponderei cada palavra que a médica dizia. De fato eu havia apresentado quase todos aqueles sintomas nas últimas semanas.

— E o que vem agora, doutora?

— Bem, agora vem a desintoxicação. Vamos ter que suspender o uso do remédio imediatamente. A princípio vamos substituir por outro medicamento não opióide. E depois diminuir gradativamente até que você não precise mais de nenhuma medicação. Com isso, você deve passar mais pelo menos algo em torno de cinco a sete dias aqui, até estar totalmente desintoxicado.

— Uma semana no hospital? Eu não posso! Preciso voltar para a universidade. Será que não dá para fazer esse negócio de desintoxicação em casa?

A médica deu um sorriso torto, com uma certa expressão de piedade no rosto. Então deu dois tapinhas em meu ombro e disse:

— Acredite, você vai querer estar aqui.

SOB O MESMO CÉUOnde histórias criam vida. Descubra agora