Capítulo 36

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Capítulo 36

Na véspera do ano novo, eu estava procurando minha camisa de botões, que tinha certeza de que havia levado, mas não a encontrava em lugar nenhum. Resolvi ir procurar no chalé de Rebecca onde eu havia passado algumas noites.

Saí do quarto na mansão para me dirigir  ao chalé. Quando o elevador parou no primeiro piso, ouvi as vozes de Pickford e minha mãe conversando na sala ao lado. Permaneci imóvel, tentando escutar a conversa.

— Faz mais sentido se vocês vierem morar aqui — Pickford dizia. — É uma casa bem grande e confortável, e Megan parece estar adorando.

— Mas nós acabamos de comprar uma casa nova e os meninos estão se adaptando. Meggie teria que mudar de colégio mais uma vez e não sei se isso faria bem para ela.

— Aqui temos um excelente distrito escolar, e ela poderia ir para uma instituição privada onde vai receber uma educação de maior qualidade e com mais opções para ela. Não concorda?

— Talvez. Mas é que...

— Querida, ela mal começou a estudar na escola onde está. E estamos no recesso de inverno. É um momento perfeito para uma mudança. Pelo menos pense nisso, tudo bem?

— Bem... Tudo bem — mamãe concordou depois de ter titubeado um pouco. — Mas o que fazemos com a casa que acabamos de comprar?

— Bem, por sorte, eu conheço uma ótima imobiliária que ficará feliz em adquiri-la.

Ambos riram.

Eles estavam planejando suas vidas juntos. Aquilo me fez sentir um nó na garganta. Ainda era difícil aceitar a ideia de que eles iriam se casar.

Continuei quieto para não ser notado.

— Eu estava pensando... Talvez pudéssemos até mesmo fazer a cerimônia aqui — Pickford sugeriu.

— Ah, não. Não quero cerimônia. Estou velha demais para essas coisas. E nós dois já fomos casados. Não acho que seria uma boa ideia.

— Irina, em primeiro lugar, você não está velha demais para nada. Segundo, sim, nós já fomos casados, mas essa é a primeira e única vez que nos casaremos um com o outro. Você quer simplesmente ir a um cartório e assinar um papel?

— Exatamente.

— Nada disso! Faço questão de dar uma festa. E convidar o pessoal da companhia. Principalmente o Sheldon, do T.I., já vi que aquele cara fica paquerando você.

Aquilo fez minha mãe rir alto.
Eu ri baixinho, ainda de dentro do elevador.

— Você faz questão? — ela perguntou.

— Faço questão — ele confirmou. — Já até combinei com Rebecca de fazer uma apresentação especial com o violoncelo.

— Tudo bem. Talvez uma cerimônia simples — minha mãe finalmente cedeu.

Houve um breve momento de silêncio, e eu pensei que aquela fosse minha deixa para passar por eles sem parecer que estava ouvindo toda a conversa. Mas minha mãe logo voltou a falar, com um certo tom de constrangimento:

— Sabe... se você não se importar... eu gostaria de manter meu sobrenome.

— Claro. Entendo perfeitamente — Pickford respondeu.

Aquela conversa parecia séria demais. Eu certamente não deveria estar bisbilhotando. Por isso, segui meu caminho. Passei pela porta tão rápido que acho que nenhum deles me viu.

Caminhei pela beira da imensa piscina e enquanto andava por entre as frondosas árvores do magnificente jardim eu pensei, juro que só por uma fração de segundo, mas pensei que, talvez, até que não seria tão ruim morar num lugar assim.

Bati na porta do chalé, mas Rebecca não atendeu. Olhei pela janela e a vi lá dentro. O celular no ouvido, ela estava falando com alguém. Eu podia vê-la, mas ela pareceu não me notar. Percebi que ela estava chorando. Saí da frente da janela e fiquei atrás da porta, mais uma vez ouvindo conversas que não deveria. Ela falava bem alto:

— Eu sei, Susan. Mas diga a ela que não vou voltar. — Seguiu-se uma longa pausa, provavelmente ouvindo a tal Susan argumentar do outro lado da linha. — Sim. Mas já estava na hora de ela cuidar de si mesma. — Outra pausa. — Eu sei que é difícil. É bem difícil para mim também. — Uma última (e desta vez breve) pausa, antes de dizer incisivamente: — Não. Não quero falar com ela.

Logo depois, Rebecca disparou a falar em francês. Eu não podia entender absolutamente nada do que ela estava dizendo, mas dava para perceber que ela não estava nem um pouco feliz. As lágrimas continuavam a rolar por seu rosto, e sua voz por vezes falhava entre soluços.

Concluí que aquela não era uma boa hora e que eu poderia voltar depois. Mas quando fui passar novamente na frente da janela, Rebecca me viu e rapidamente desligou o telefone. Quando ela abriu a porta, eu já estava a alguns metros.

— O que veio fazer aqui? — ela perguntou.

— Queria ver se por acaso não esqueci minha camisa aí. Mas eu volto outra hora.

— Não. Tudo bem. Pode entrar.

Quando me virei para ela, vi os olhos vermelhos e inchados em sua feição melancólica.

— Você está bem? Estava chorando de novo?

— Não. Não estava.

— Estava sim. Eu vi você.

Ela ergueu as mãos espalmadas, como quem pedia desculpas após ter sido pega na mentira.

— É. Estava.

— Sabe, para alguém que não chora, você até que tem chorado bastante ultimamente.

— Ah, você sabe como é. É essa época de...

— Época de fim de ano — completei. — Sei.

Eu entrei e rapidamente encontrei minha camisa, jogada na poltrona ao lado da cama, no quarto onde eu havia dormido algumas noites atrás.

Antes de sair, pressionei Rebecca mais uma vez:

— Não vai mesmo me contar por que estava chorando?

— Já disse.

Vendo que ela não iria falar, parti para uma abordagem mais categórica:

— Susan é sua mãe?

— Você estava ouvindo minha conversa? — sua feição mudou repentinamente.

— Me desculpa. Eu não queria. Mas estou preocupado contigo.

Ela suspirou, olhando para baixo e então disse:

— Não. Susan é minha tia. Ela queria me convencer a voltar, para tomar conta de minha mãe alcoólatra. Mas acontece que eu já estou de saco cheio!

— Eu sinto muito — comentei meio sem jeito; arrependido de tê-la feito tocar naquele assunto delicado.

— Minha mãe devia se internar em uma clínica! Ela sofre com esses problemas com a bebida desde que eu consigo me lembrar. Está sempre dizendo que vai mudar, que vai melhorar. Mas nunca melhora. Eu passei tempo demais tentando cuidar dela, e isso me custou tudo. Até meu emprego, que eu amava. Por isso resolvi vir morar com meu pai outra vez. Ela precisa resolver seus problemas por conta própria.

— Eu entendo — falei, mesmo não entendendo coisa nenhuma. Felizmente, nunca havia passado por esse tipo de problema com algum familiar.

— Mas, por favor, não conte ao meu pai! — Rebecca suplicou.

— Não me contar o que? — A voz de Pickford ecoou ao longe e só então o vimos, parado do lado de fora da porta.

SOB O MESMO CÉUOnde histórias criam vida. Descubra agora