Capítulo 18

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Capítulo 18

Cheguei à casa e a primeira coisa que fiz foi me certificar de que estava realmente sozinho. Olhei em cada cômodo, falei em voz alta e ninguém respondeu. Ótimo! Eu estava só. Finalmente podia me entregar ao sofrimento, sem medo de ser apanhado em meu momento de maior fraqueza e vulnerabilidade.

Atirei-me resoluto na cama king Size que havia na suíte de minha mãe, tentei me aconchegar por entre as macias almofadas e ali permaneci inerte, indefeso. Os finos lençóis de seda se molhavam com o suor que escorria frio por meu corpo trêmulo.

Enrolei-me nas cobertas porque sentia frio. Minutos depois passei a sentir calor. Rolei na cama de um lado para o outro, inquieto, tentando encontrar uma posição menos desconfortável. Tentativas inúteis. Logo me levantei, me arrastei até o banheiro e, debruçado no vaso, vomitei o pouco líquido que ainda restava em meu corpo.

Deitei-me no chão do banheiro porque agora a cama parecia estar distante demais. Levei alguns minutos para me recompor. Tive sede. Me levantei e desci até a cozinha para procurar um pouco de água. Peguei um copo e enchi até quase derramar. Enquanto virava o copo em minha boca, me faltaram forças nas mãos trêmulas e ele caiu no chão, se espatifando em dezenas de pedaços de vidro estilhaçado.

Ao tentar apanhar os cacos, cortei a ponta do dedo e o sangue escorreu pelo chão. Senti tontura e decidi deixar para limpar a bagunça mais tarde. Pensei em subir e me deitar na cama, mas agora as escadas já me pareciam um obstáculo grande demais para ser enfrentado naquele momento. Resolvi me deitar no sofá da sala de estar e descansar um pouco.

Pensei ter pegado no sono, mas, tão logo isso aconteceu, tive a nítida impressão de que havia alguém tentando invadir a casa. Eu não tinha certeza se estava realmente dormindo ou acordado, se aquilo era real ou apenas mais alguma alucinação da minha cabeça, mas o fato é que parecia haver alguém na porta da frente, e estava prestes a entrar.

A maçaneta começou a se mexer. Levantei-me tão depressa que senti como se tudo estivesse girando. Me equilibrei e andei devagar, tateando pelos móveis da sala em busca de algo que pudesse usar para me defender do invasor.

Entrei na cozinha, caminhei com cuidado por entre os cacos que ainda estavam caídos no chão e peguei a maior faca que consegui encontrar. Não sabia exatamente o que faria com aquilo, mas em meio a uma crise de abstinência, minha mente semiconsciente achou que faria sentido ter uma arma para me proteger de quem quer que fosse que estivesse tentando entrar em minha casa sem ser chamado.

Quando saí da cozinha, a porta da frente já estava aberta e a luz fraca do sol poente adentrava, revelando o intruso. Parado ali, sob o batente da porta da sala estava um homem alto, forte e sorridente. Sorridente? Por que diabos alguém que estava invadindo uma propriedade iria sorrir ao encontrar o morador com uma faca em punho?

Demorei alguns segundos processando, até reconhecer que quem estava diante de mim era Zane Pickford. Pela primeira vez na vida me senti aliviado em vê-lo.

Minha primeira reação foi tentar esconder a faca. Ao pensar melhor sobre meus atos, concluí que procurar uma arma para me proteger de uma possível invasão tinha sido uma reação muito exagerada, levando em conta o fato de que o suposto invasor estava entrando tranquilamente pela porta da frente. No que eu estava pensando? E se fosse minha mãe chegando em casa?

Coloquei as mãos para trás e soltei a faca disfarçadamente, enquanto Pickford me observava perplexo, parecendo não saber como reagir a minha presença ali.

— Oh, me desculpe! Eu não percebi que tinha alguém aqui — ele foi o primeiro a falar.

— Você tem as chaves da casa? — falei em um leve tom de indignação.

— Sua mãe me emprestou. Eu só vim buscar minha maleta. Acabei esquecendo aqui ontem a noite. Estou saindo em viagem hoje mesmo e preciso dela.

Ele começou a caminhar para dentro da sala de estar, mas eu o fiz parar.

— Posso pegar para você — ofereci. — Onde você a deixou?

— Não tenho certeza — ele voltou a andar em minha direção. — Preciso procurar.

Quando chegou perto de mim, notou a faca no chão e as gotas de sangue que ainda escorriam do meu dedo. Enquanto ele olhava com estranheza, tentei me explicar.

— Machuquei meu dedo.

— Com uma faca?

— Não... É... Bem... Sim, foi isso — balbuciei. — Estava tentando cozinhar e...

— Você não devia estar na universidade?

— Sim. Mas é que eu não estava me sentindo bem, então resolvi vir descansar.

— Você está bem agora? Quer que eu ligue para sua mãe? Que eu chame uma ambulância?

— Não, por favor, não conte para minha mãe — supliquei. — Ela não sabe que estou doente. Só ia ficar preocupada.

— Tem certeza?

— Sim. Por favor, você pode manter isso em segredo? Não quero que ela saiba que estou aqui. Ou que estou passando mal.

— Tudo bem. Não vou contar para ela — ele prometeu.

Mas continuava me olhando, um olhar de suspeita, sem parecer confiar totalmente na veracidade de tudo o que eu tinha acabado de dizer. Logo passou por mim e seguiu a procura de sua preciosa maleta. Entrou na cozinha e se assustou ao ver os cacos de vidro no chão, cobertos com respingos de sangue.

— Tem certeza de que está bem? — insistiu.

— Isso foi um acidente — justifiquei. — Não se preocupe. Eu estou bem!

— Certo.

Ele subiu as escadas e minutos depois voltou, trazendo consigo uma bonita maleta preta com feixes dourados.

— Encontrou? — perguntei.

— Sim — confirmou, balançando a maleta que tinha nas mãos. — Agora só vou buscar meus instrumentos no quintal.

— Instrumentos?

— De medição. Estou tentando construir uma casa na árvore para Megan. Sabe, para quando ela sair do hospital.

— Uma casa na árvore?

— É. Por favor, não conte a ela. Eu vou manter seu segredo e você mantém o meu. Acha que podemos fazer isso?

Eu o encarei abismado antes de responder:

— Claro. Não vou dizer nada.


— Ótimo!

Ele correu para os fundos e logo voltou com mais uma bolsa e também uma caixa de ferramentas.

— Pegou tudo o que precisava? — perguntei somente para me certificar.

— Sim. Agora preciso correr, estou atrasado!

— Boa viagem, senhor Pickford.

Ele já estava na porta quando falei, mas parou ao me ouvir dizer aquilo e olhou para mim, sorrindo, parecendo surpreso com minha cordialidade.

— Obrigado, senhor Hart — respondeu respeitosamente antes de sair e fechar a porta.

Eu o observei pela janela. O carro estacionado na frente da casa já estava ligado quando ele saiu. Presumi que havia um motorista lá dentro, pois Pickford entrou pela porta de trás. Quando o carro arrancou eu fechei a cortina, virei-me de costas e me sentei no chão. Respirei aliviado tendo finalmente ficado sozinho de novo.

Limpei toda a bagunça, temendo mais alguma visita inesperada. Tranquei a porta e fechei as janelas, puxando também as cortinas, deixando a casa completamente escura. Me guiei somente pela lanterna do celular até o quarto e me atirei novamente sobre o macio colchão da cama. Dormi cedo.

Aquela foi uma noite difícil! Acordei repetidas vezes. Precisei trocar o lençol da cama e a fronha do travesseiro porque estavam cobertos de suor. Eu tinha calafrios e uma tremedeira contínua. Uma vez que despertava era difícil dormir novamente; e foi assim que passei a noite.

SOB O MESMO CÉUOnde histórias criam vida. Descubra agora