Capítulo 42

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Capítulo 42

Quando ainda estávamos colocando os forros novamente sobre os carros, avistei Pickford parado, de braços cruzados, nos encarando com uma feição séria na entrada da garagem.

— Rebecca, o que eu já falei sobre pegar meus carros de coleção sem minha autorização?

— Ah, pai, você nunca usa mesmo. Pensei que não se importaria, só dessa vez. Eu até coloquei gasolina. Da aditivada, como você gosta. — Ela atirou a chave para seu pai, mas ele a deixou cair no chão bem diante dele.

— Você não pode simplesmente sair por aí com isso, filha! É um carro de coleção, não de passeio. Sem falar que carros são muito perigosos. Você não faz ideia do quanto isso é perigoso, Rebecca!

Aquela era a primeira vez que eu via Pickford usar um tom autoritário, agindo como um pai zangado. Rebecca, por outro lado, não pareceu assustada, ou arrependida.

— Foi mal. Não vai acontecer de novo.

— Filha, se você precisa de um carro é só me dizer. Eu posso te comprar um. Posso até te arranjar um motorista. Mas não quero que saia por aí dirigindo meus carros de coleção. — Ele finalmente apanhou a chave do chão.

— Tudo bem, tudo bem — Rebecca encolheu os ombros.

Eu permaneci calado, temendo também receber alguma repreensão. Mas Pickford não dirigiu a palavra a mim. Depois de ter dado a pequena bronca em Rebecca, simplesmente se virou e entrou na casa antes de nós.

— Você estava errada — cochichei. — Ele se importa sim.

— Ah, não, ele não ficou bravo com a gente. Pode ficar tranquilo. É só por causa do trauma.

— Trauma?

— Ele meio que tem fobia de carros desde que se acidentou.

— Sério? Como foi isso?

— Acho que ele estava só indo à praia com sua esposa e filhos quando capotou com o carro. Todos morreram na hora. Ele foi o único que escapou ileso. Foi a última vez que dirigiu, até onde eu sei. Eu pelo menos nunca o vi pegar num volante a minha vida toda. Até hoje ele ainda se culpa. Não é conosco que ele está bravo. É consigo mesmo. É só não falar no assunto e ele logo acaba deixando para lá.

Foi só então que reparei, eu realmente nunca tinha visto Pickford dirigir. Então era por isso! Pela primeira vez na vida eu senti pena dele. Era uma culpa grande demais para se carregar.

Na mesa de jantar, ninguém falou sobre o assunto do carro. As conversas eram todas a respeito do casamento que aconteceria no dia seguinte. Em algum momento Rebecca perguntou como eles se conheceram e minha mãe abriu a boca para responder, mas Pickford falou antes dela:

— Ah, essa é uma história interessante. Você quer contar, querida?

— Não — minha mãe recusou. — Tudo bem, você pode contar.

Pickford então começou:

— Bem, eu estava em um quarto de hospital, sabe, para alguns exames de rotina, quando Irina entrou. E eu pensei "Puxa, essa é a médica mais linda que já vi!". Mas acontece que ela não era médica. Era só uma mãe exausta que se perdeu no caminho da ala pediátrica e acabou entrando no quarto errado. — Ele riu. — Já que ela estava ali, eu lancei todo meu charme irresistível e ela acabou virando uma visitante frequente em meu quarto, indo lá todos os dias e...

— Espera — Rebecca o interrompeu. — Quantos dias você ficou no hospital para esses exames de rotina?

Pickford ficou com um olhar perdido, sem saber o que responder.

— Acontece que não eram exames de rotina — minha mãe falou em tom de reprovação. — Zane, chega de segredos para sua filha. Nós vamos nos casar amanhã e eu não sou a favor de esconder coisas dos filhos.

— Tudo bem — Pickford voltou a falar. — Eu tinha passado por um pequeno procedimento...

— Uma cirurgia de ponte de safena — minha mãe esclareceu.

— Pai, você teve outro infarto? — Rebecca falou, quase gritando.

Ela disse outro? Minha nossa, eu realmente não sabia nada sobre Pickford!

— Não. Eu só estava sob muito estresse e...

Pickford seguiu fazendo explicações sobre seu estado de saúde e, mesmo depois de o jantar ter terminado e todos termos saído da mesa, ele e Rebecca permaneceram discutindo.

Naquela noite, antes de dormir, liguei para Jessie somente para confirmar que ela de fato não iria à festa.

— Você não vem, não é mesmo? — eu mais afirmei do que perguntei.

— Sinto muito, Sammy. Eu realmente queria ir! Mas preciso estudar para as provas. Estamos em final de semestre. É complicado.

— Eu entendo.

E realmente entendia. Sabia que seria basicamente impossível para Jessie vir de Nova York para a Flórida por um único fim de semana no meio das provas finais. Mas a parte mais egoísta de mim ainda desejava que ela desse um jeito. De qualquer forma, não aconteceu.

O mais triste é que Jolene e James também não poderiam ir ao casamento porque estariam trabalhando. Jen não iria porque não havia quem a levasse. Liam tinha o jogo, e assim não haveria ninguém que eu conhecesse além da minha própria família naquela festa. Não consegui evitar um terrível sentimento de desapontamento.

SOB O MESMO CÉUOnde histórias criam vida. Descubra agora