Capítulo 21

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Capítulo 21


Ouvi a porta abrir e depois a voz grossa de Pickford ecoou pela casa.

— Eu voltei assim que soube — ele disse. — Onde está ela?

— Lá em cima. Dormindo — mamãe respondeu.

Ouvi o estalo de um beijo e logo depois passos vindo na direção da escada.

— Tem problema se eu acordá-la?

— Tudo bem. Ela tem que ir para a cama dela de todo jeito.

Os dois subiram as escadas e eu fechei a porta do meu quarto depressa, para não ter de cumprimentá-lo. Ele de fato a acordou. Dava para ouvir a risada dela de longe enquanto os dois conversavam. Megan parecia gostar mesmo daquele cara estranho.

Já era tarde, mas ainda assim liguei para Jessie. Estava ansioso para contar a ela as boas notícias. Ela atendeu com uma voz de sono, mas garantiu que ainda não estava dormindo. Assim que contei a ela sobre Meggie, sua primeira reação foi dar um grito de alegria. Afastei o celular do ouvido quando ela fez isso. Depois disparou a falar:

— Você está em casa? Meg está aí? Eu posso ver ela? Vamos fazer uma chamada de vídeo!

— Ela já está dormindo — menti, torcendo para que do outro lado da linha Jessie não pudesse ouvir o riso e a voz de Meggie vindos do quarto ao lado. Não custava nada deixar as duas conversarem um pouco, mas eu realmente não queria ter que falar com Pickford. — Amanhã eu te ligo, quando ela estiver acordada.

Jessie pareceu se contentar. Ainda conversamos por mais alguns minutos antes de desligar o telefone. Ela agora só falava sobre suas novas amigas. "Zhiyi brigou com o namorado." "Andrea e eu fomos a um concerto de ópera sem ela. Por incrível que pareça, foi legal!". Quando não falava sobre essas duas, falava mal de sua ex colega de quarto Mandy. De qualquer forma, eu estava feliz por Jessie estar se adaptando.

Naquela noite quando dormi, ainda estava ouvindo a voz de Pickford conversando com Meggie e minha mãe no outro quarto. Confesso que sentia uma pontada de ciúmes do relacionamento que elas tinham com ele.

Na manhã de domingo eu desci as escadas e me deparei com Pickford, sem camisa, fazendo café da manhã.

— Shhh! Elas ainda não acordaram — sussurrou.

Nem sequer desejei bom dia. Apenas dei meia volta e retornei para dentro do meu quarto. Só saí quando já estava no início da tarde e minha mãe me chamou para irmos à praia.

Apesar de ser uma exímia nadadora nas piscinas, Megan jamais havia ido a praia, então aquela seria sua primeira vez. Tinha tudo para ser uma ocasião especial, mas todo meu ânimo se esvaiu quando descobri que era ideia do Pickford.

Ainda assim, fui. Contrariado. Mas não me arrependi. No final das contas, acabou sendo uma boa experiência. Assim que chegamos à praia, meu humor mudou.

Megan saltitava sorridente pela orla, com seu maiô violeta, molhando os pezinhos na água fria que as ondas quebradas levavam até a margem. A brisa do mar trazia seu aroma característico. Crianças faziam castelos na areia, algumas pessoas se refrescam na água salgada, outras jogavam vôlei com uma rede montada perto do calçadão. O mar estava tranquilo, a maré estava baixa, as ondas faziam um som agradável, e o sol sorria lindo no meio do céu, como que exclusivamente para nós. Era de fato um dia maravilhoso!

Recostei-me em uma toalha velha estendida na areia, sob um guarda-sol vermelho-vivo, que de tão vermelho quase chegava a ser laranja. Eu estava usando meus óculos escuros para proteger meus olhos, que se fecharam por um instante, permitindo que minha mente viajasse até Jessie. Não havia como não me lembrar dela naquele ambiente. A praia era sabidamente seu lugar favorito no universo, e estar ali de certa forma me fazia sentir mais perto dela, como se houvesse uma conexão.

Brinquei com Megan dentro da água por horas a fio, mas ela parecia simplesmente incansável. Como é que uma criança com os pulmões prejudicados poderia ter mais preparo físico para nadar do que um atleta como eu? Bem, talvez eu estivesse fora de forma. Ou talvez só velho demais para essas coisas.

Na hora de ir embora, Meggie fez beicinho porque queria ficar mais tempo. Mas Pickford contornou a situação, prometendo que a compraria um sorvete se partíssemos naquela hora. Tudo resolvido.

Era uma pena termos de partir justo quando o sol começava a se pôr. Aquele era meu momento preferido para estar na praia. O sol se escondia ao longe, no mar, deixando uma coloração alaranjada tanto nas águas quanto no céu. As gaivotas voavam suavemente pelas correntes de ar, enquanto a maioria das pessoas se dirigia para suas casas.

Megan e eu caminhávamos de mãos dadas enquanto ela saboreava sua casquinha de baunilha com frutas vermelhas. Mamãe e Pickford caminhavam na nossa frente, o braço dele repousando sobre os ombros dela, ao redor de seu pescoço, enquanto ela o segurava pela cintura.

— Formam um casal bonito — Meggie falou antes de dar uma lambida em seu sorvete. — Eles parecem felizes.

E pareciam mesmo. Por um breve momento eu tive a estranha sensação de que talvez não o odiasse tanto assim. Mas só durou uma fração de segundo, até eu me lembrar de meu pai, e permitir que retornasse o ódio pelo homem que agora abraçava minha mãe.

Chegamos em casa e jantamos todos juntos. Mamãe fez macarronada, com alguma ajuda de Pickford. Enquanto comíamos, ele puxou assunto com Meggie e os dois entraram em um pequeno diálogo. Minha mãe e eu ficamos de espectadores.


— Então quer dizer que você nunca tinha visto o mar?


— É. Mais ou menos. Eu tinha visto o mar, quando viemos aqui em abril. Eu só não tinha ido à praia, mas até nadei no mar, lá na casa da namorada do Sam.


— É mesmo? Ela mora na praia?


— Mais ou menos — Meggie respondeu, sem saber explicar.


— É no canal do rio Halifax — esclareci.


— Ah, sim. Eu tenho boas casas a venda ali naquela região. É um lugar muito bonito! Eu não sabia que sua namorada morava lá.


Se Pickford estava esperando que eu continuasse a conversa, ficou desapontado, porque eu apenas me calei. Logo ele voltou a puxar assunto com Meggie.


— Então, pequena, como foi sua primeira vez na praia?


— Foi ótimo! Só não gostei da água salgada. Incomoda meu nariz.


De noite, após o jantar, ele foi embora porque precisava trabalhar na segunda. Quando finalmente ficamos só nós três, liguei para Jessie, para permitir que ela visse Megan saudável depois de tanto tempo.

Jessie desabou a chorar quando a viu. Quando ela enfim conseguiu se controlar, as duas conversaram por quase 20 minutos. Meggie queria saber tudo sobre Nova York, sobre a universidade, sobre a rotina de Jessie. As duas pareciam amigas íntimas.

Só pararam de tagarelar quando eu pedi o telefone de volta, porque precisava ir embora. Tinha aulas na segunda de manhã e planejava passar a noite no dormitório. Mas Meggie não gostou nada dos meus planos.

— Dorme aqui só mais essa noite, maninho?

— Não posso, Megs. Vou chegar atrasado para a aula de amanhã.

— Por favor — ela fez beicinho. E como ela era boa nisso! — Eu acabei de sair do hospital. E amanhã já vai ser meu primeiro dia de aula. Fica mais um tempo comigo?

Ela estava jogando sujo e sabia disso. Mas resolvi ceder. Dormimos os dois na mesma cama, no caso, a minha. Foi uma noite longa porque Megan era espaçosa e dormia de braços abertos feito uma estrelinha do mar. Eu fiquei com menos de um terço da cama para mim, e tive que dormir assim mesmo.

De manhã bem cedo tomei um café da manhã reforçado e deixei Meggie no colégio antes de ir para a universidade. Era segunda-feira. Mais uma longa semana estava prestes a começar.

SOB O MESMO CÉUOnde histórias criam vida. Descubra agora