Capítulo 62
Morar em Spruce Creek era empolgante em muitos aspectos. Estávamos cercados por pessoas que tinham um interesse em comum: aviação. Passávamos os dias e noites ouvindo o som de aviões decolando e aterrissando em quase que todas as horas. Para alguns, pode ser um barulho irritante, mas para nós, era calmante. Sempre me remetia a boas lembranças. Era como morar dentro de um aeroporto. Na verdade não era "como", era literalmente morar em um aeroporto bastante movimentado.
Havia eventos na vizinhança quase todos os dias. O grupo 288 da Associação de Aeronaves Experimentais se reunia na terceira quinta-feira de cada mês, às 19:00 no hangar de Keith Phillips. Os clubes de IFR e VFR se reuniam nas primeiras quintas-feiras às 19:00, este era aberto a todos os pilotos. O Spruce Creek Flying Club jantava e fazia apresentações às 17:30 no SC Country Club na terceira quarta-feira de cada mês. Todas as sextas-feiras a noite era possível acompanhar o show de voos em formação. Isso só para citar alguns dos muitos eventos que aconteciam na comunidade.
A princípio, muitos de nossos vizinhos torceram o nariz para mim e Liam. Acontece que, em sua grande maioria, os moradores de Spruce Creek eram ex-pilotos aposentados, por via de regra idosos conservadores de direita. Quando nos viram pela primeira vez, pensaram se tratar de um casal gay, o que (infelizmente) até hoje não é bem aceito em muitos lugares, inclusive na Flórida. Mas, com o tempo, fomos ganhando nosso espaço na vizinhança.
Nossa casa era a última da rua porque ficava bem perto da pista. Nosso vizinho do lado era Frederick Meyer, um ex-piloto da força aérea, aposentado, que possuía um raro exemplar de P-51 Mustang que ele adorava exibir para quem quisesse ver. O velho caça militar da segunda guerra, apesar de muito antigo, estava excepcionalmente conservado. Era todo cromado, e seu motor a pistão fazia um ruído inconfundível. Frederick chamava a aeronave carinhosamente de Lucy, e dizia que ela era o segundo maior amor de sua vida. Donna, sua esposa, discordava. Ela dizia que Lucy era provavelmente o primeiro e único amor de Fred. Eles eram um casal muito divertido.
Liam e eu passávamos muito tempo em casa, já que não voávamos todos os dias. Pickford costumava aparecer três ou quatro vezes por semana, geralmente para voos curtos, com retorno no mesmo dia. Em raras ocasiões pernoitávamos em outro lugar.
Já morávamos na casa há algum tempo quando finalmente consegui mostrá-la à Jessie, em uma chamada de vídeo. Eu andei com a câmera por todos os cômodos e corredores da casa. Jessie achou tudo lindo e disse que algum dia ainda viria me visitar. Eu esperaria contente por este dia.
Em geral, não recebíamos muitas visitas. Na realidade era somente Angelica quem ia visitar Liam frequentemente. Algumas vezes ela até passava a noite lá. Eu não me importava. Gostava de ter companhia de Angelica na casa. Ela era uma garota muito agradável. Desde que Liam e Angelica haviam reatado seu relacionamento pela quarta (ou quinta) vez, os dois não se desgrudavam mais. Por isso, sempre que alguém batia à porta, era Liam quem ia atender. Eu nunca atendia, porque sabia que a visita não seria para mim. Um dia, surpreendentemente, isso mudou.
Alguém bateu à nossa porta no meio de uma tarde tranquila de terça-feira. Liam foi atender, como de costume. Pouco depois de abrir a porta, ele gritou:
— Sam, é para você.
— Quem é? — gritei de volta, sem nem me mexer.
— Sua namorada.
Meu coração parou. Será que Jessie tinha mesmo vindo me visitar sem aviso?
Eu me levantei e corri, apressado, até a porta. Fiquei desapontado ao constatar que não era de fato minha namorada quem estava ali.
— Liam, essa daí é a Rebecca — falei, inconformado.
— Eu sei — ele disse.
— Ela não é minha namorada — repeti para ele, pela milésima vez. — Quantas vezes eu vou ter que te falar isso?
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SOB O MESMO CÉU
RomanceLivro 2. A sequência da história de Sob a Luz do Sol. Este é o segundo livro da trilogia.