20. Jantar na Cidade

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Tenho três dias de treinamento de lutas e tiro ao alvo mais intensos do que eu achei que podia aguentar. Depois da tentativa de assassinato de Robert Cameron, Gavin Rogher queria garantir que eu podia lutar com o melhor espadachim do mundo e sobreviver. Eu não reclamava, sabia da necessidade, mas no final do dia, voltava cansada e com fome ao meu quarto, e só tinha ânimo de jantar qualquer coisa que Beatrice me trouxesse e tomar um banho relaxante antes de cair na cama.

O corpo do prisioneiro havia sido queimado em uma pira alta longe do Palácio logo depois do amanhecer no dia seguinte ao interrogatório, e da janela do meu quarto, podia ver parte da fumaça que subia de toda aquela madeira queimando junto com as cinzas dele. Não tive muito tempo para pensar a respeito no dia, porque logo Beatrice aparecera no meu quarto, chamando-me para o café da manhã. Eu não gostava de ver cadáveres, e a voz das criadas me libertou de passar por mais uma crise.

Era sexta-feira e eu mal tinha voltado para o quarto depois de uma corrida noturna de 5km quando o toque contínuo parecido com o de um celular antigo desperta minha atenção. Largo minhas luvas protetoras sobre a penteadeira e procuro o aparelho irritante pelo quarto. Eu o encontro sobre a mesa de cabeceira, embaixo da jaqueta que eu devia ter jogado ali e nem percebi. Aperto o botão de pause de um comunicador eletrônico em formato de disco e pouco maior que a palma da minha mão.

— Espera, Evelyne, não desligue!- Ouço a voz de Stefan soar do aparelho e me sento na cama, suspirando de cansaço só de pensar em que ele iria exigir a essa hora.- Deixe o comunicador ligado e olhe pela janela, o alcance desse modelo é bom.

— Stefan, são 22:00h e eu estou cansada. O que você quer?

— Prometo que vai valer a pena.- Ele responde.- Por favor, vá para a janela.

Uma pedrinha de cascalho da rua atinge o vidro fechado e eu me levanto, com medo de que ele comece a chamar muita atenção. Tudo de que não preciso agora. Abro a janela e estico o troco recostada na moldura, olhando para o pátio abaixo e procurando pelo idiota agindo com imprudência tão tarde.

— O que você quer?- Eu o encontro acenando para mim no gramado, bem abaixo da minha janela. Algo de metal e pequeno estava preso na sua orelha direita.- Sabe que vai precisar de um motivo muito urgente para me fazer passar por isso a essa hora, né?

— Não é urgente, mas é legal.

— Se não está morrendo, boa noite, Stefan.

Quando ameaço fechar o vidro outra vez, ele grita meu nome pelo comunicador.

— Não faça isso!- Ele reclama.- Desça aqui, por favor, quero te levar à um lugar.

— Sabe o quando você está sendo brega agora?

— E vou continuar sendo, mas se é ridículo ou não, você vai ter que descer aqui para descobrir.

— Não faça eu me arrepender disso, principezinho.

Stefan aponta para a escada que havia posicionado sob minha janela. Estava tão bem encaixada na moldura da janela que nem a havia notado antes.

— Venha logo!- Exclama lá de baixo.- Desligue o comunicador, pegue um casaco e venha aqui. Não podemos nos atrasar.

Suspiro, já cedendo à qualquer ideia maluca que ele possa ter tido. Sei que não vou conseguir mandá-lo embora antes de fazer o que ele quer, e quanto mais rápido fizer com que ele pare de gritar, melhor.

Apoio-me na parede quando passo as pernas pelo parapeito da janela, agarrando a escada quando coloco meus pés nos degraus, focada apenas nos meus próximos passos enquanto desço para não me incomodar com a altura. Não tenho medo de altura, tenho medo de cair. É uma queda longa da varanda do meu quarto até o pátio, e não sei se existe algo na medicina atual capaz de curar meus ossos quebrados se algo acontecer, ainda mais sem nenhum equipamento para me proteger da morte por impacto. Stefan me estende a mão quando estou cerca de 30 centímetros acima do chão, mas recuso a ajuda, pulando o último degrau.

A Guardiã da NeveOnde histórias criam vida. Descubra agora