10. O Ataque

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Eu nunca tinha experimentado qualquer coisa como um Captor de Memórias, mas nada pude fazer para resistir quando as lembranças da mulher tomaram conta do meu mundo, e de repente, as lembranças dela se tornaram as minhas também.

Antes que os primeiros raios de sol surgissem, Alyssa já estava de pé e pronta para iniciar sua rotina. Observar os primeiros pássaros cruzando o céu era parte do seu trabalho, mas também era uma tarefa agradável para se cumprir tão cedo. Uma xícara fumegante de café com leite a esperava na cozinha quando ela passou pelo corredor apenas para chegar à porta trancada, como ficava todas as noites. Após alguns goles do seu café, ela deixou a xícara na pia e saiu do Departamento, já sabendo que o frio do deserto congelado a esperava.

Assim que seus pés afundaram na neve fofa em frente à construção, no entanto, ela notou que havia algo errado. Uma escuridão como Alyssa nunca havia visto antes cobria o mundo, e o silêncio indicava que nenhum pássaro estava por perto. Por um momento, ela pensou que seu relógio de pulso poderia estar desregulado, mas isso era impossível, Alyssa se lembrou. Seu relógio era sincronizado com todos os outros do Departamento e eles estavam conectados à uma rede que os mantinha sempre certos. Se houvesse algum defeito em seu relógio, o sistema teria avisado. O sol já devia estar surgindo no horizonte, então porque todo aquele silêncio e escuridão?

Alyssa imediatamente ficou mais alerta, observando a maneira como a bandeira de seu país tremulava mais forte com um vento fantasma que ela não podia sentir. Não sentia nada em seu rosto, a única coisa do seu corpo que podia deixar exposta às temperaturas abaixo de zero da Antártida, o ar parecia estático. A mulher viu quando a bandeira repentinamente mudou a direção para a qual tremulava, e de repente, o vento que a agitava esgotou-se, fazendo a bandeira cair e embolar em camadas, ainda presa no topo daquele poste. Ela se espantou quando uma revoada de pássaros que ela não soube identificar sobrevoou os laboratórios do Departamento, grasnando e batendo as asas como se fugissem de algo que tinha os assustado. No entanto, Alyssa não via nada que pudesse ter feito os animais agirem daquela forma. Ela só tinha certeza de uma coisa: Se os pássaros estavam agindo de maneira estranha, ela também devia se preocupar. Há muito tempo Alyssa havia aprendido que os animais descobrem desastres naturais com muito mais facilidade que os fracos sentidos humanos, e naquele lugar tão afastado de tudo, ela não duvidava que algum terremoto podia atingi-los a qualquer minuto. Seguiria os pássaros, onde quer que eles tenham ido se esconder. Interpretar os sinais dos animais sempre era uma boa maneira de sobreviver.

Apavorada, ela voltou para dentro do Departamento, e correu para o alarme de emergência. A sirene tocou alta no ambiente fechado e silencioso, mas logo seus colegas estavam de pé, olhando-a com cara de poucos amigos, infelizes por terem sido acordados antes do horário que deviam.

É bom que tenha um bom motivo para ter nos acordado, Alyssa.- Disse um dos Engenheiros que fazia parte da equipe, já procurando uma xícara limpa dentro do armário da cozinha.- Se isso tudo for apenas mais uma simulação...

— Não temos tempo para isso!- A mulher exclamou.- Há algo lá fora. Os pássaros estão estranhos. Devemos ir embora desse lugar agora.

Alyssa frisou bastante a palavra, mas nenhum deles parecia confiar muito nas palavras da mulher, por mais que sua agitação fosse visível.

Que se danem os pássaros, sua maluca!- Reclamou uma das médicas presentes.- Você teve coragem de nos acordar porque os pássaros voaram? Qual seu problema?

— Você não acredita em mim?- Alyssa retrucou.- Então olhe pela janela.

Seus colegas seguiram para a única janela daquele lado do Departamento, o exato lugar onde ela apontava, determinada a fazê-los entender o que ela estava tentando explicar. Ela não estava maluca, tinha algo de errado naquele lugar.

A Guardiã da NeveOnde histórias criam vida. Descubra agora