A Guardiã da Neve

2. Banquete de Boas-Vindas

Não voltei a ver aquele belo alce de novo, e não voltei à trilha que havia me levado até aquela criatura indefinida. Sabendo o caminho que Derek costumava seguir, entrei na mata para procurar onde quer que estivesse meu amigo. Juntos, nós passamos a manhã inteira procurando por algo que agradasse o açougueiro. Com o Banquete para o Príncipe Herdeiro naquela noite, ele não iria se contentar com qualquer coisa. Além disso, precisávamos do dinheiro tanto quanto da carne que o barbudo açougueiro nos fornecia.

Muito longe da vila, decidimos almoçar no campo coberto de neve, já que, àquela hora, era nossa única escolha. Os roedores presos em armadilhas nos serviram bem, e os restos deram ótimas iscas para os peixes do lago de águas termais ali perto. Não era a mesma coisa que um alce de dois metros de altura, mas conseguimos caçar uma bela corça, que, com certeza renderia o prato principal, e para nós dois, os Caçadores, a cortesia de uma boa fatia para cada um. Pelo menos era o que eu esperava.

Ali, no deserto congelado em que vivíamos, não havia muita opção de vestuário, mas o vestido de cashmere e lã em meu armário era a melhor peça de roupa que eu tinha e era guardado apenas para ocasiões especiais, assim como o jantar formal ao qual devíamos comparecer à noite. Os túneis subterrâneos onde os salões festivos ficavam serviam também para nos manter seguros dos piores dias do inverno constante e também serviam como depósito para alimentos e medicamentos, mas nem de longe poderiam ser considerados aquecidos.

Desci as escadas no porão de minha casa com todo o cuidado do mundo, já que os sapatos e meu vestido não eram as roupas mais adequadas para aquele ambiente e a madeira permanecia úmida e fria mesmo ao alcance do aquecedor padrão em todas as residências da cidade. Derek me esperava lá embaixo, com Tarren e sua acompanhante ao lado. Ambos eram meus amigos, mas nada chegava perto da intimidade que tinha com Derek. Apesar de não conhecer a garota que Tarren havia convidado, caminhamos juntos até o maior salão subterrâneo, o único apropriado o bastante para receber o futuro Rei. Não éramos uma vila assim tão pobre, e duvidava que o salão construído em pedra cinza e totalmente iluminado fosse a pior coisa que a Comitiva Real já tinha visto em sua viagem, mas jamais seria algo minimamente parecido com o que deviam ter nas grandes cidades que resistiam ao gelo fora da Cúpula da Capital.

A Comitiva Real chegou apenas quando todos já estavam em suas mesas, com um timing perfeito. O hino da dinastia Craworth começou a tocar quando o Prefeito entrou acompanhado de um grupo extremamente arrumado para os padrões dos moradores da Vila de Caçadores. E no meio deles, protegido por dois seguranças armados, ele. Eu mal podia acreditar, o garoto que salvei naquela manhã era o Príncipe Herdeiro. Devia ter desconfiado. Ele era visivelmente muito bem alimentado, aquela pele de quem já havia visto muitos dias ensolarados na vida, as roupas impecáveis e aquele maldito aparelho eletrônico nas mãos. Não havia nada ali que me dissesse que aquele rapaz um dia tinha passado fome ou lutado pela própria sobrevivência.

Eu sabia que o garoto era um forasteiro, mas devia ter desconfiado de sua real identidade. Eu havia dado um tapa no Príncipe Herdeiro, achando que ele podia ser no máximo um de seus criados. Droga. Sou uma idiota.

Só esperava que ele não tivesse a intenção de mandar me executar. Isto é, se o Príncipe me encontrasse de novo. Ele estava tão cercado de pessoas que duvidava que sequer teria tempo para dar atenção aos demais moradores daquele salão.

A Comitiva Real se juntou ao Prefeito na fila de poltronas vermelhas no palco do salão, esperando com paciência que o discurso do homem terminasse. Com certeza, aquelas pessoas já estavam acostumadas com longas cerimônias e regras de conduta em ocasiões formais. Eu havia participado de eventos assim poucas vezes na vida, e todas tinham sido naqueles túneis, mas nunca conseguiria me adaptar a esses discursos intermináveis. O homem não parava de falar, e eu estava com muita fome.