Conforme os dias passam, minhas suspeitas quanto às intenções de Troyan vão se confirmando. Na manhã seguinte ao ataque, drones são mandados do castelo para ajudar a reconstruir o que foi derrubado pelos soldados, robôs de saúde circulando pelas ruas atrás de qualquer ferido. Nossos invasores queriam a cidade funcionando, e soldados estrangeiros faziam rondas diárias para garantir que o comércio estivesse sempre aberto e que as pessoas voltariam à sua rotina como antes. Era medo que queriam que a Capital sentisse, mas também nos forçavam a agir como se nada houvesse mudado.
Há uma semana, Vivian e Beatriz nos ajudavam a ficar escondidos em suas casas. Chelsea e Eve ajudavam a costureira a trabalhar enquanto James e Stefan trabalhavam com mapas e estratégia escondidos no apartamento da minha antiga criada. Eu, por outro lado, tinha minhas próprias funções, agindo como uma espiã me passando por funcionária do mercadinho abaixo do apartamento onde estávamos morando. Pertencia à família de Beatriz, mas era administrado por seus dois irmãos gêmeos, homens simpáticos que ficaram felizes em me ceder o cargo no caixa, o lugar mais escondido que podia ficar. Havia uma recompensa pela captura dos príncipes e a minha, mas com o uniforme do mercado, cabelo preso e óculos vagabundos, eu não parecia nada com a foto que usavam nos cartazes halográficos espalhados pela cidade. O mercado da família de Beatriz era um lugar pouco movimentado, e passava a maior parte do tempo atrás de uma mesa, me esforçando ao máximo para aprender a língua que falavam os orientais. Mandarim, segundo o programa tradutor do celular de Stefan que havia usado para captar uma conversa entre soldados estrangeiros em um restaurante ali perto um dia depois do ataque. Era fácil reconhece-los com seus uniformes vermelhos e a aparência obviamente estrangeira, muito diferentes dos soldados de Troyan, com seu uniforme negro e as armas que roubaram do arsenal do castelo, falando na língua clara dos nativos desse Reino.
O sino na porta da loja toca, avisando-me da presença de clientes. Escondo o tablet e os drives com dicionários de mandarim sob a mesa quando percebo que se tratavam de soldados estrangeiros. Os dois homens eram espertos, comunicando-se em sua própria língua, sabendo que a possibilidade de algum morador dessa cidade entendê-los era muito pequena. Como autodidata, já havia tido grandes avanços em meus estudos, e pude entender algumas palavras soltas, mas que podiam ser facilmente encaixadas em um contexto de fácil entendimento. Conversavam sobre a situação no castelo, de certo, mencionando a falta de qualquer notícia sobre a família real remanescente. Será que sabiam que ainda estavam na cidade? Ainda não tinha arriscado chegar perto da fronteira para descobrir que não havia para onde fugir. A única coisa que me deixava feliz nessa história toda era que ninguém parecia interessado em caçar Stefan e Chelsea em troca de dinheiro ou reconhecimento. Apesar do disfarce de funcionária, permaneço meio escondida atrás da bancada, as caixas de vidro cheias de balas e chocolates a minha frente enquanto finjo que as estou organizando quando o olhar dos orientais se volta para mim.
— Ei, menina.- Um deles me chama em um sotaque pronunciado.- Estamos procurando por bebidas. Álcool. Você tem?
Rapidamente, aponto para as geladeiras do outro lado da loja, onde guardávamos todas as bebidas que eram vendidas.
— Ali.- Digo quase baixo demais para me escutarem, observando-os por baixo das armações pretas enquanto vão para onde os mandei. Ótimo. Fiquem bem longe de mim mesmo.
Os dois logo se aproximam com duas garrafas de cerveja cada, e me apresso em lhes cobrar adequadamente sem dar tempo de olharem muito para o meu rosto. Fingia estar mais com medo do que me escondendo, coisa que não seria nenhuma surpresa, visto que toda a cidade estava assim ultimamente. Não me deram muita atenção, no entanto, e não me disseram mais nada quando entreguei a sacola com as bebidas para o soldado mais à frente para que pudessem ir embora logo. Suspiro quando a porta se fecha, e conto até dez mentalmente por precaução antes de pegar o tablet outra vez, voltando ao que estava fazendo antes, tentando me lembrar das palavras ditas pelos homens para que pudesse traduzi-las com mais clareza.
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A Guardiã da Neve
Science FictionEm um futuro distante, uma nova Era do Gelo começou. Neste mundo congelado, os humanos sobreviventes precisaram mudar todo seu estilo de vida. Com menos água líquida disponível e novas porções de terra reveladas, novos países e colônias surgiram. Re...