O som de abertura fora tão estridente e alto que senti dores de cabeça no mesmo instante, como se uma tranca a anos enferrujada e consumida pelo tempo fosse aberta com puxões violentos, arranhando a superfície e rasgando o ar com fuligens metálicas.
Depois de longos onze segundos, a sensação de atordoamento havia melhorado, e Virgílio parecia tão espantado quanto eu sobre o ocorrido.
— Você sabe o que foi isto? — Perguntei, ainda passando a mão na testa e me recuperando.
— Se disser que sei exatamente o que é, estaria mentindo para nós dois.
— O que significa esta porta? Digo, eu sei o que é uma porta, mas por que ela está aqui e o que são estes fechos? — Enquanto perguntava, fui me aproximando aos poucos da porta, que até o momento evitara instintivamente por sei lá qual motivo.
A curiosidade instigara a descobrir mais sobre aquele lugar, o limbo parecia apenas o quintal de um enorme castelo que seria Epifania. Mas a escassez de informação me obrigava a apenas especular sobre sua existência, e muitas vezes de minha própria.
— O motivo pelo qual o fecho se destravou ainda não sei lhe explicar, mas quem, sim — Disse Virgílio, fazendo uma expressão investigativa — Apenas o pai tem acesso e poder para controlar o portal que protege seus domínios.
— Virgílio? Seu pai... Ele é igual a você? — Perguntei.
— Em que sentido pergunta peregrino? Fisicamente, ele é bem diferente, mas algo dentro de nossa essência nos faz seres semelhantes, no mundo terreno, não é assim?
— Também somos diferentes na estrutura, mesmo que certos padrões possam ser vistos, mas não existe uma personalidade igual a outra — Falei, enquanto refletia sobre os seres humanos e suas irregularidades.
— Não há nada que os una de alguma maneira? — Virgílio fizera uma pergunta aparentemente inocente e casual, mas não entenderia a complexidade da resposta — Por que eu não entenderia?
Confesso que é difícil lidar com essa questão de consciência conjunta.
— Com o tempo você pega o jeito — Disse, mais uma vez lendo meus pensamentos.
— Talvez o mais próximo que tenhamos de algo que nos conecte, seja o amor — Respondi, mesmo na dúvida do que afirmar.
— O que é o amor? — Insistiu, me deixando cada vez mais incerto das convicções e entregue as reflexões.
— O amor pode ser representado de várias formas e através de diversos seres, do ser humano à um coelho, de um recém-nascido a um idoso, em grupos ou até mesmo individual, mas o mais comumente rotulado é o amor afetivo entre duas almas, uma dança eterna e conjunta que eleva a alma a um novo estágio.
— Você já amou peregrino? Parece falar com propriedade, como se tivera experimentado de um líquido divino e jamais pudera voltar a beber de outra fonte.
— Minha vida terrena ainda é um grande buraco negro, mas consigo lembrar de um nome...
Sim.
Um nome.
Ela se chamava...
Como era mesmo?
É claro!
Beatriz.
Beatriz, a mais potente luz que iluminou meu mundo.
— Ainda me recordo de tê-la amado, de sentir seu corpo quente sobre o meu, seus lábios macios, seu toque, tudo nela parecia perfeito demais para existir. Mas algo aconteceu e fez o castelo virar ruínas, e Beatriz tornou-se poeira ao vento.
Tomado pela avalanche taciturna que minhas lembranças revelavam em fragmentos, o motivo veio a fonte dos pensamentos, os momentos de tensão e ruptura que fizeram Beatriz correr como areia em minhas mãos.
Brigas.
Discussões calorosas.
Choro.
Infelicidade.
Meu sol foi tomado por um eclipse e escurecido até não sobrar um único feixe de luz.
Sou doente.
Pelo menos é isto que minha enevoada memória trouxe.
Busquei um canto dentre os quatro disponíveis naquela prisão.
Me agachei.
Depois encostei a cabeça na parede, escorregando-a até estar deitado no solo, onde desejei dormir para esquecer quem fui.
Esquecer Beatriz.
E tudo que causei a ela.
Queria poder chorar cada lágrima dela.
Adormeci.
Preto no limbo.
Os períodos de tempo se passaram.
E ali permaneceria.
Até ser interrompido por uma voz.
Que não era Virgílio.
Parecia uma mulher.
Beatriz?
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Apócrifos - A porta dos onze fechos
Mystery / ThrillerAnderson Valadares Autor de: "O homem e a caixa"; "A vila das máscaras" e "O moldador de mentes" Narra sua quarta história: "Apócrifos - A porta dos onze fechos" *** A mente humana ainda possui muitas incógnitas, algumas delas talvez jamais cheguemo...