Engraçado como traumas nos fazem ser pessoas diferentes e curiosas, a maldita máscara de coelho de Andrew me apavorou por anos e agora tinha minha própria máscara, os propósitos eram outros, mas ainda assim trazia estranheza em meus pensamentos.
Depois de viver isolado da sociedade, abusado e visto por todos como um esquisitão, desenvolvi um bloqueio natural a relacionamentos sociais, se expondo ao público apenas quando realmente necessário, ainda assim, com receio.
Às vezes que queria fugir do mundo, colocava minha máscara da peste negra, o imenso bico e os olhos arredondados poderiam parecer medonhos para certas pessoas, mas para mim, trazia uma sensação de proteção. Como uma identidade secreta que escondia o homem machucado e traumatizado, trazendo a vida alguém novo, forte, medonho e impenetrável.
Numa destas noites, fui atingido por tal insegurança, então a vesti e como mágica todos meus medos pareciam ir embora, com o temor expulso, podia voltar a concentrar-se em meus estudos e afazeres.
Lendo o Nigrum, uma torrente de percepções e vislumbres antes jamais experimentados percorreram minha mente, tudo que eu entendia como verdade estava sendo apagado e sobrescrito com uma tinta permanente e escura.
Quando tive acesso a lenda dos dias negros e a tão sonhada constelação do homem, jamais pude imaginar que a mitologia por trás disto poderia ser tão extensa, eu estava puxando a linha e agora já tinha deformado todo o tecido, construído buracos e rasgos irrecuperáveis. Nem mesmo a melhor agulha com a melhor costureira poderia remendar meus pensamentos do mesmo jeito que eram antes.
Então disse o Senhor Deus: "Agora o homem se tornou como um de nós, conhecendo o bem e o mal. Não se deve, pois, permitir que ele também tome do fruto da árvore da vida e o coma, e viva para sempre".
Na igreja em que fui doutrinado, a árvore do conhecimento junto com o fruto proibido foram os responsáveis por trazer desgraça a humanidade, excluindo de nossa essência a ingenuidade e nos jogando num mundo pecaminoso sem salvação.
"Epimeteu pediu para Pandora não abrir a caixa, mas, tomada pela curiosidade, não resistiu. E ao abri-la na frente de seu marido, Pandora liberou todos os males que até hoje afligem a humanidade, como os desentendimentos, as guerras e as doenças. Ela ainda tentou fechar a caixa, mas só conseguiu prender a esperança".
Na versão grega que li anos depois, os males que estamos todos sujeitos como seres falhos que somos, foram jogados por um descuido de Pandora, filha de Zeus e detentora de uma caixa com tais infortúnios.
Mas a verdade está além destes contos, este magnifico livro de capa preta, misterioso e secreto trouxe uma versão própria de como o universo funciona, e estou tentado a acreditar que ele esteja certo, as entidades provenientes da era de Mahara são tão reais e atuais que quase posso enxergá-las ao fechar os olhos.
Sentado, fissurado nas páginas daquele escrito, deixando toda a vida ao redor para trás, excluindo as pessoas do meu universo, que me deixavam nervosos, principalmente quando estavam em grandes conglomerados, virei a página e comecei a reler os relatos que expandiram minha alma.
"Nova gênesis
Após a queda de Samaya, a entidade do tempo, que sempre existiu, imparcial aos demais de sua família e visto como um erro por seu pai Akiri. Chegou-se a era da dualidade.O tempo junto de sua irmã Jivana e seu irmão Mytru resolveram interferir nos Andevos, criação do progenitor que exerciam as vontades dos seus superiores, seres nem mortos, nem vivos, sem personalidade, sem mente ou alma, serviam para todos os propósitos espalhados no cosmo, eram muitos, incontáveis habitavam o espaço e mantinham sua manipulada existência.
Samaya era o mais velho dos três e presava pela ordem e sequência natural do ciclo, tinha uma visão linear e inalterável da realidade, tudo aquilo que tocava, pensava ou imaginava estava submetido as leis que regem a linha do tempo, transformava o infinito em finito, limitava até mesmo o cosmo, dividindo tudo em passado, presente e futuro, trazendo desgraça existencial ao seu redor.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Apócrifos - A porta dos onze fechos
Mystery / ThrillerAnderson Valadares Autor de: "O homem e a caixa"; "A vila das máscaras" e "O moldador de mentes" Narra sua quarta história: "Apócrifos - A porta dos onze fechos" *** A mente humana ainda possui muitas incógnitas, algumas delas talvez jamais cheguemo...