Permaneci parado. Olhando a diversificação de seres que os apócrifos eram. Intrigado com tudo que representavam.
"O número de fechos na porta, simbolizam o número de apócrifos?". Perguntei.
"Toda mente que um dia pisou no limbo está condicionada a ter sua própria porta de transição, o número de trancas, bem como, as entidades que visualiza dependem do quanto sua consciência se modificou em vida, somente vislumbrará a figura de esquizofrenia, se assim a teve durante a existência. Então, não estão presentes aqui todos os irmãos, mas sim, apenas os que de alguma forma você desenvolveu. Em seu caso, teve onze estágios de insanidade lúcida que se transformaram nas onze fechaduras. A cada ascensão que tinha em sua evolução da alma, uma se destrancava e tornava mais próxima sua entrada além destas paredes".
Eu pensava a respeito da vida, e não me sentia frustrado ou angustiado por tudo que passei em vida, pela primeira vez podia ser eu mesmo. Sem esconder das pessoas minhas diferenças e problemas, que nesta terra eram chamadas apenas de particularidades.
"Por que eu?". Questionei, tentando achar uma explicação para tudo aquilo que acontecia como num livro de fantasia.
"Não se pode explicar o que simplesmente é". Respondeu Minak, explanando o que na terra tem nome de destino. "Você é o vórtice desta era, alguém acima do bem e do mal, purificado pela insanidade para existir sem o fardo do desejo".
"Mas eu desejei voltar para minha mãe".
"E seguiu sua vida usando sua lembrança como combustível para avançar e conquistar".
"Eu almejei não ser mais abusado".
"E mesmo assim sepultou o homem numa cova sem rancor".
"Me enfureci contra a pessoa que aprisionou Chris, e sonhei prendê-lo por seus atos".
"O tipo de desejo que não consumiu sua alma".
"Eu prometi entregar um livro que transcendesse o céu".
"Usando-o para fazer o bem a vida que te maltratou".
"Eu amei uma mulher".
"E com sua perda atingiu a iluminação".
"Estudei com afinco os seus ensinamentos, pensando se um dia poderiam ser verdade".
"Porém, nunca desejou ver a constelação do homem. Assim, como aconteceu com outros antes de você Edgar, que só encontraram o que procuravam quando finalmente deixaram de procurar".
"O desejo acaba. O caminho não". Repetimos juntos.
"Por que os apócrifos não têm ciência de quem são?". Refletia enquanto todos ao meu redor se comportavam de acordo com seus costumes e personalidades.
"Quando se adota um nome, entramos num caminho perigoso, de querer ser alguém diferente e retrair o que não é aprovado pelo círculo que convivemos. Não quero que o que sejam os faça interpretar alguém. Ninguém existe quando o mundo a sua volta diz quem deve ser".
"Eu morri?".
"O que é morrer para você? Se a resposta for, o momento que sua alma deixa seu corpo e passa a ser uma carcaça inabitada, acredito estar equivocado. O que parece mais mórbido, o sentimento que nutre agora transcendendo sua consciência ou a de um ser que está acordado na terra desejando não existir? Muitas pessoas já estão verdadeiramente mortas e não sabem".
"E o que devo fazer agora"?"Não é o que, mas quem!".
Senti algo diferente em mim, como se meu corpo inteiro formigasse e minha mente coçasse, ainda não entendia por que conseguia me comunicar sem precisar usar a fala. Em paralelo a minha conversa com o pai, podia escutar os pensamentos dos apócrifos que estavam comigo no limbo.
Comecei a escutar a voz de outras pessoas de fora, como se as paredes tivessem sido derrubadas, e estivéssemos ligados ao restante do universo.
A silhueta de Minak passou a ofuscar-se e dava lugar a pontos que desenhavam de maneira perfeita a constelação do homem.
Vi Virgílio e os demais se despedindo. Com sorrisos em seus rostos, como se eu fosse alguém de fato especial para eles.
Eu estava ficando sozinho. Aquele então era o fim do caminho? Me sentia flutuando sobre as nuvens, quase podendo tocar o céu. Tão leve quanto o coração de uma criança.
Minhas vestes se iluminavam e formavam um manto reluzente branco e prata, um amor entre a lua e as estrelas parecia habitar em seu tecido.
"O que está acontecendo". Perguntei.
"Mytru e Jivana estão se fundindo uma vez mais em um ser". Respondeu o pai da loucura.
"A morte beijando a vida".
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Apócrifos - A porta dos onze fechos
Mystery / ThrillerAnderson Valadares Autor de: "O homem e a caixa"; "A vila das máscaras" e "O moldador de mentes" Narra sua quarta história: "Apócrifos - A porta dos onze fechos" *** A mente humana ainda possui muitas incógnitas, algumas delas talvez jamais cheguemo...