Os primeiros meses fora do sanatório depois do tratamento que Harold Brown fez em minha mente foram difíceis, sentia como se tivessem embaralhado tudo dentro de mim, sequelas permanentes foram inevitáveis, porém, com muita força de vontade, foram menos catastróficas do que ele havia imaginado.
Permaneci um tempo, afundado em pensamentos, eventos traumáticos passavam a todo momento, como um filme de terror repetido que não podia ser trocado. Quanto mais relembrava o passado, mais taciturno eu me tornava. Durante os lapsos de memórias, lembro da figura de um anjo, utilizava calça jeans preta e tinha o dorso nu, longas asas brancas resplandecendo uma divindade, porém, visões futuras me mostraram este mesmo anjo tendo suas asas escurecendo-se, como se a alegria o estivesse abandonando, sua situação agravava-se, e as penas das asas começaram a se desprender, e tempos depois, ele estava jogado ao chão sem uma das asas, incapacitado de voar, e entregue ao seu destino infeliz.
Durante toda minha vida, flertei em diferentes escalas com minha mente, angustiado com eventos que definiriam minha personalidade. Cheguei até mesmo a questionar se eu não estava destinado a me entregar ao abismo que tinha dentro da minha alma.
Os eventos aconteciam como se alguém realmente controla-se de cima todos meus passos, me levando de volta a trilha principal quando me distraia com alguma bela árvore, cheia de maçãs.
Depois que li todos os escritos do Nigrum, passei a me questionar se eu não seria de fato um dos vórtices que o primeiro filho de Minak desenhou ao longo dos períodos. Mas eu não era louco, pois, que louco questiona sua própria sanidade? Os eventos que construíram minha trajetória tiveram que acontecer, não foram orquestrados, tenho certeza que optei em ir para direita ao invés da esquerda.
Eu sou o dono do meu destino.
Responsável por minhas escolhas.
Histórias são apenas histórias.
"O portal da insanidade,
Minak vagou por toda a terra, observando a vida dos homens, vendo seus comportamentos após a separação dos Apoteóticos. Entendendo como utilizavam o falso livre arbítrio que a eles foi concebido.Percebeu que nada havia se alterado, os mesmos erros estavam sendo cometidos, em algumas situações os aprendizes até superavam os mestres. A dualidade criada entre seus irmãos, separando o bem do mal, o certo do errado, os perseguia como uma maldição que não conseguiam se livrar.
Uma infinidade de combinações foi gerada com a mescla das entidades, algumas pessoas eram alegres, mas medrosas, outros tristes e corajosas. Não existia um único ser exatamente similar ao outro, cada um mantinha suas particularidades e as proporções diferentes de um mesmo apoteótico.
Quando a mãe de Minak, Mahara desejou o sonho de sua mãe, Jivana, de dar uma vida real a criação, não contavam com a possibilidade de eles não quererem ser iguais aos deuses.
Foi então, que após centenas de anos vendo o ciclo de vida e morte que os humanos seguiam rigorosamente, que a loucura criou sua marca, buscando entregar a liberdade da mente, assim como os primeiros seres tinham.
Estampou no céu um símbolo entre as estrelas, lembrando a todos os homens e mulheres da terra, que a consciência está acima da vida e da morte, além das fronteiras terrenas e barreiras impostas por nós mesmos. Entregando o seu dom máximo, a loucura.
Assim, Minak criou a constelação do homem.
Todos que comtemplassem a junção dos astros, enxergariam como ele próprio, e teriam o entendimento do cosmo. Entrando no reino que antes era restrito apenas aos deuses da psiquê.
Acreditando que tinha feito algo prudente, parou sobre a sombra de uma árvore, junto a seu tio-avô Samaya, o tempo, que ainda observava todos os acontecimentos que se desenrolavam no planeta terra.
— Tio-avô Samaya, você que conviveu com os primeiros anos de minha avô, e sabe o quanto ela desejou ver os humanos como amigos íntimos dos deuses, acha que ela, de onde estiver observando, estará contente com o que acabei de fazer? — Perguntou a loucura, olhando para a enorme constelação que trazia a imagem básica do homem.
— E o que acabou de fazer jovem Minak?
— Dei a raça humana a igualdade das entidades, para que possam ser eternos em nosso reino.
— E acredita que eles serão capazes de suportar tamanho fardo? — Samaya se levantou, e de cima da montanha que estavam, caminhou até a ponta do precipício e apontou para uma das cidades que estava abaixo de seus olhos.
Minak apenas o seguiu.
— Observemos o que acontece com o passar das décadas — Então, o tempo, movendo de forma circular o dedo indicador, fez o pequeno vilarejo avançar seus períodos, dando ênfase e pausando os momentos em que sedentos pela vida eterna, e não compreendendo a magnitude do portal da loucura, assassinavam uns aos outros, destruíram suas terras e não conseguiam carregar o peso que suas mentes tinham após enxergarem a constelação do homem.
Coisas piores aconteceram, quando alguns poucos empoderados pela consciência, queriam colidir até mesmo contra as primeiras entidades, nem mesmo a ordem e o caos seriam capazes de conter o avanço da loucura pelo universo.
A mesma loucura que foi capaz de controlar a morte e provocar o maior colapso que os apoteóticos e as primeiras entidades passaram. Agora estava livre e multiplicada numa infinidade de seres.
Era o fim de tudo.
— Batizarei este período, de 'O portal da insanidade' — Samaya olhou para Minak — Sabe que, mesmo sendo eu o tempo, não tenho autoridade para mudar o curso natural da existência, jamais interferi em fatos e eventos, sejam eles catastróficos ou não. Mas queria que visualizasse tal futuro, espero que com isto tenha respondido à pergunta que fez.
Minak pareceu confuso, como podia a loucura ser algo ruim? Então ele era ruim?
Entristecido com o que tinha acabado de fazer, ele caminhou por muitos anos, pensando numa forma de remediar sua infração, de resolver o problema criado ao mesmo tempo que cumpria a promessa feita a seus familiares.A loucura não compreendia muito bem o que eram atitudes más ou boas, mas sabia que uma promessa perpetuava pela eternidade.
Então, vendo os humanos como um rebanho perdido, lembrou de sua própria história. Pensando se fora justo um único ser pagar pelo erro de vários, por um problema que se desdobrou de geração em geração. A resposta era sim! Por que apenas o tempo poderia trazer tal ensinamento, de que, se deve abandonar tudo e não querer nada para livrar-se do peso do pensamento. Todos seus irmãos, pais e avós eram reféns do querer. Almejavam suas necessidades com intensidade maior que a própria existência. Porém, a loucura nunca teve uma obsessão ardente que corroesse sua alma.
E essa era a resposta que buscava.
Colocar a constelação do homem no céu para que todos tivessem acesso a consciência infinita foi um erro ingênuo. Somente os que compreendessem por conta própria a máxima de suas vidas, suportariam tal benção.
Foi então, que, Minak, a loucura, filho de Mahara trouxe ao planeta o que ficou conhecido como 'a lenda dos dias negros'. Escondendo de todos, seu maior pecado, construindo uma barreira impenetrável pela mente humana.
Em seguida, iria procurar dentre os homens, aquele que tivesse assim como ele, transcendido com sua experiência além da consciência. E pudesse se tornar sua criação.
A tarefa parecia impossível, muitas décadas se passaram até que Minak conheceu seu primeiro filho.
Seu nome humano era Enki, que também seria chamado posteriormente de Virgílio".
VOCÊ ESTÁ LENDO
Apócrifos - A porta dos onze fechos
Misterio / SuspensoAnderson Valadares Autor de: "O homem e a caixa"; "A vila das máscaras" e "O moldador de mentes" Narra sua quarta história: "Apócrifos - A porta dos onze fechos" *** A mente humana ainda possui muitas incógnitas, algumas delas talvez jamais cheguemo...