Capítulo XXXVII - Pandemônio

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Depois nos inúmeros choques na cabeça, não estava mais conseguindo manter a lucidez dos meus pensamentos, nem tinha mais forças para tentar me soltar das fivelas que estavam amarradas a minha cabeça, pernas e braços.

Só conseguia sentir a maca fria em que estava deitado, com uma luz branca ofuscante direcionada para mim, dificultando manter os olhos abertos. De tempos em tempos, escutava os passos pesados de Warren indo de um lado para o outro. Harold falava ininterruptamente.

— A parte mais interessante do tratamento começa agora, sabia que além de curar, nós médicos também podemos induzir doenças, no meu caso, são todas mentais, o que agrava ainda mais sua situação. Poderíamos ter feito do jeito fácil Edgar, bastava cumprir com minhas condições e entregar o livro, mas quis ser o herói do dia. Heróis só se dão bem em filmes e histórias em quadrinhos, na vida real, o mais esperto e influente, supera qualquer um.

Estava fazendo o possível para não desmaiar, eu devia achar uma maneira de sair daquele lugar. Se morresse ali, de nada adiantaria todo o esforço.

— Escutei algumas histórias, afinal de contas, vivemos numa cidade pequena, e os boatos se espalham rápido, de que seu querido pai era um pouco, como posso dizer, maníaco e pedófilo! A probabilidade de que tenha sido abusado é bem grande levando em consideração este histórico. Deve ter sido bem desagradável ter sofrido nas mãos de quem deveria te amar, tudo por causa de uma maldita compulsão sexual. Mas a vida é assim Edgar, imprevisível e injusta, imagina que irônico seria se você tivesse o mesmo distúrbio que seu pai? Fazendo as mesmas barbaridades que ele cometeu? Se tornar o que mais odiou a vida inteira.

Ainda atordoado pelos choques, luz e medicamentos que estava recebendo, tentava ao menos responder as ofensas de Harold.

— Jamais me tornarei um monstro... não importa o que faça... pessoas como você pagarão pela crueldade que cometem...

— Admiro sua coragem, mas abomino sua ignorância — Conseguia escutar os passos dele se aproximando, arrastando alguma coisa — Não o matarei, mas farei pior que isso, deixarei que tenha o mesmo problema do doente que lhe estuprou, que cometa os mesmos crimes que ele, olhará todos os dias no espelho e desejará morrer. Sua mente terá lapsos de memória e o jogarei no mundo como um indigente, pensará em suicídio ao acordar e ao deitar-se. Espero que aprenda a não se meter com seres superiores a você.

Mantendo a última fagulha de vitalidade, retruquei:

— Pode vir com tudo Harold Brown, não importa o que faça, minha mente sobreviverá, meu coração é forte e não se pode parar a determinação. Conheço seres de fato superiores a todos nós, então não se ache um Deus, quando na verdade, sabemos que é apenas um covarde brincando de ser alguém.

Já com suas mãos sujas em mim, senti uma agulha sendo injetada no meu pescoço, seguida da eletricidade percorrendo meu cérebro, meus pensamentos se embaralharam e uma bagunça de sentimentos se misturaram semelhante ao que aconteceu com os humanos na era dos Apoteóticos antes do aparecimento da ordem e do caos.

Desmaiei.

"Pandemônio

A máscara de Mahara havia se equilibrado e destravado o seu poder imensurável, dando início ao período conhecido como 'Pandemônio'.

Nesta época, todas entidades provenientes da matriarca, ficaram chamadas de os Apoteóticos, seres intitulados deuses menores, cada qual representando um sentimento ou estado de espirito próprio.

Amor e ódio.

Felicidade e tristeza.

Coragem e medo.

E muitos outros que percorriam os espaços destinados a criação da família de Jivana e Mytru.

Finalmente o ser humano estava completo e agora conseguia sentir a plenitude da existência, sendo capaz de amar e temer, não eram apenas bonecos com movimentos, a vida real os habitava.

Apócrifos - A porta dos onze fechosOnde histórias criam vida. Descubra agora