Capítulo VII - Grito

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Alternava meu olhar entre o teto do quarto e a pequena réplica que comprei do quadro de Edvard Munch, a obra "o grito" teve impacto grande em minha vida, já que, representava uma sensação que outrora não conseguia explicar, por mais que esse problema me afetasse, algumas pessoas ainda consideravam frescura, mas eu sabia que era real.

Visualizei uma vez mais a hora que o relógio em cima da cômoda indicava, onde também comportava um pequeno abajur, que trazia luz fraca em meio a escuridão das 03:11 h.

Assim como nas noites anteriores, perdera o sono durante a madrugada e tinha dificuldades de regressar ao descanso. Este nem era o maior dos meus problemas, com um café forte na manhã seguinte, provavelmente seria capaz de manter-se acordado o dia inteiro sem muito esforço, porém, como dizem, "mente vazia, oficina do diabo", e me segurava para não despertar Beatriz que dormia como um anjo ao meu lado, uma respiração tão baixa, praticamente imperceptível, encolhida e enrolada até o pescoço com sua coberta antialérgica, a representação perfeita da tranquilidade.

Minha mente oscilava entre pensamentos puros de amor e ideias manchadas de sacanagens, em segundos refletia sobre o quanto a amava, em seu bem-estar, em protege-la e em outros de igual proporção, queria tirar seu pijama rosa de forma suave, escorregando minha mão pelo seu corpo, começando em seus ombros, depois de abaixar a alça de sua blusa, tocar os seios firmes e continuar descendo pela sua barriga até chegar em seu quadril, ainda mais devagar sentir suas coxas e traze-la para perto, a agarrando e fazendo o que repeti todas as noites em que tive insônia.

Aquela natureza me incomodava, não conseguia aceitar a essência de ser controlado pelo instinto e não pela razão.

Sei o quanto ela se esforçava para não demonstrar cansaço ou insatisfação as vezes que a despertei depois de um dia exaustivo, mas a disputa que meu próprio eu travava comigo eram inquietantes e corroíam minhas entranhas.

Quanto mais tempo passava pensando, mais o temor tomava conta de mim, minhas mãos tremiam, a boca ficava seca e a tensão se instalava através dos ossos.

— Ela vai me deixar — sussurrava involuntariamente — Ela não vai suportar essa pressão, não a culpo por isto.

Minha perna começara a vibrar.

A mesma sensação de sempre, a preocupação que bloqueia minhas ideias, não permite que seja eu mesmo, travando minha vida num único evento, num único acontecimento, no mesmo dilema de vida ou morte.

Ficava irritado por não lidar com a situação da melhor maneira possível.

— Ela não merece esta situação, talvez o melhor que posso fazer por Beatriz, seja deixá-la — O ar a minha volta parecia escasso e me inibira de respirar bem.

Tentei me concentrar no quadro.

A figura que gritava de forma silenciosa, exprimindo todo o horror de sua alma, desesperada para que alguém faça a realidade sumir. As cores ao seu redor pálidas, retratando o frio de suas decisões diárias.

— O que podemos fazer amigo da ansiedade? Vivermos sozinhos é um favor que prestamos a sociedade e as pessoas que amamos, as poupando de sofrerem por algo que não enxergam.

— Ed? — Chamou Bia, abrindo os grandes olhos cor de mel, me observando com ternura e afeto.

— Desculpa... te acordei...

— Não há problema algum, você está bem?

— Estou sim, apenas sem sono. Não queria despertá-la, seu dia foi bem puxado.

— Também estou um pouco sem sono, quer conversar? — Ela, coloca a mão em meu rosto e acaricia, eu cubro sua mão com a minha.

Tudo que desejaria era ficar ali para sempre com ela, congelar o tempo e viver o resto da vida com seu toque.

— Sei o que se passa em sua cabeça — Disse Bia — Já lhe falei que não vou te deixar, eu te amo e repetirei isto até que se canse de ouvir.

— Eu lhe sufoco e...

— "Muito pouco ama, quem com palavras pode expressar quanto muito ama". — Seu sorriso é tão belo que nem mesmo o sol seria capaz de me aquecer daquela maneira.

— Desde quando passou a citar Dante Alighieri? Andou lendo escondido?

— Tenho o melhor professor comigo — Ela me abraçara e dera um beijo — E também falamos sobre ele semana passada, não lembra?

— Não muito, sabe que minha memória não é das melhores, as vezes parece que estou ficando mais estúpido, deixando de pensar e agindo instintivamente. E é justamente por isso que sinto não ser o mesmo para você.

— Ed... essa sua vontade extra de fazer amor comigo não é problema para mim, fico feliz em ter alguém que me ame tanto como você o faz.

— Te amo muito mesmo.

— O que me preocupa são estes outros sintomas que vem surgindo atrelado a sua preocupação. Isto lhe faz mal e não quero vê-lo assim. Você se lembra do que aconteceu ontem?

— Não, o que?

Ela deu um leve suspiro e me encarou como se estivesse com pena.

Fiquei confuso.

— Ed... jamais te deixarei... e estarei ao seu lado para sempre. Guarde isto aqui dentro — Ela posicionou sua mão quente em meu peito, na altura do coração — E não na sua mente.

No coração.

E não na mente.

Apócrifos - A porta dos onze fechosOnde histórias criam vida. Descubra agora