Capítulo XXVI - O senhor dos sonhos

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"O paciente 77 está no fim, não consegue mais sustentar as sanguessugas absorvendo todo seu sangue. Sua energia vital está se extinguindo, o paciente 77 está no fim. Ajude ele. Você é bom, não é? Você é igual a nós, não é? Eu sei, é sim. O paciente 77 está no fim. Devia ir visitá-lo, tirá-lo daqui. Você é nosso líder, oito vidas foram extraídas do paciente 77, ele não está bem, não conseguirá outra vida".

Pensei muito nas palavras daquele homem sobre o paciente 77, de início achei ser uma alucinação de uma pessoa com distúrbios mentais, mas no fundo sabia que tinha algo de estranho nesta história, de certa forma respeitava os pacientes, aprendi a ver a loucura de uma forma diferente ao longo do tempo. Todos os temas e contato que tive com relatos e contos sobre a insanidade trouxeram uma nova perspectiva.

Talvez os insanos não estivessem tão errados quanto a sociedade os retratava.

É difícil explicar o que não se conhece.

Não se pode explicar a insanidade com a sanidade.

É necessário pensar semelhante, ver através de seus olhos, sentir os aromas pelo seu olfato e presenciar o estado mental que os diferenciam dos demais dentro de sua mente.

Entendia os riscos que estava correndo buscando informações sobre um paciente que parecia não existir, estava mexendo num vespeiro.

Se alguma pessoa dentro deste complexo inteiro dispunha de alguma informação sobre este caso, esta pessoa seria o senhor Harold Brown, e já havia reparado que alguns arquivos sobre os residentes ficavam guardados em seu escritório.

Esperei até que anoitecesse, o momento que o proprietário finalizasse seu expediente e os funcionários revezassem em seus turnos. Warren era o que mais me preocupava de todos que pudessem me ver entrando na sala, pois, vigiava tudo que fosse "importante" no sanatório como um cão leal e cego, no caso dele, também mudo. Somente depois que descobri isto fez sentido a ausência de palavras do homem de dois metros de altura, pele escura e expressão de poucos amigos.

Após a troca de turno ele ia metodicamente a seu casebre e realizava sua refeição, não existia tempo melhor para iniciar minha pequena operação. Fui até ao armário de chaves reservas, que ficava na sala do meio do corredor principal, entre a biblioteca e a sala de cinema. Estava tudo silencioso, os pacientes dormiam em seus aposentos no outro prédio, tive que tomar muito cuidado para não aparecer nas câmeras de segurança, mesmo que neste instante Tommy e Matthew deviam estar conversando antes de revezarem, falando sobre os problemas que o primeiro estava tendo no casamento.

Me apressei e a passos vagarosos caminhei até o escritório de Harold, tinha aproximadamente quinze minutos para encontrar o documento e sair da sala antes que os riscos aumentassem.
Logo ao adentrar o local, busquei ser o mais rápido possível, vasculhando pastas e registros nas prateleiras, escrivaninhas e mesas, sempre tomando cuidado para não bagunçar nada e levantar suspeitas no dia seguinte.

O tempo passava voando, minutos viravam segundos, e quando olhei para o relógio redondo na parede o desespero começou a tomar conta de mim, já haviam se passado doze minutos desde que comecei a procurar, e ainda me sentia muito distante de descobrir qualquer coisa, tudo parecia muito comum.

Passei a refletir sobre os demais lugares que já havia pesquisado a respeito do paciente 77, e era como se ele jamais tivesse existido, um simples fantasma, um rumor, uma lenda criada dentro da mente dos pacientes.

Ou talvez fosse isto que Harold queria que pensassem...

Afinal de contas, quem levaria a sério as palavras de um lunático?

Foi somente neste momento que pude perceber um único livro deslocado na prateleira, alguns outros tentavam simular uma espécie de regra de organização desforme, mas ainda assim era possível enxergar sua não linearidade com os demais, como se tivesse sido retirado às pressas e posto novamente no lugar sem capricho.

Me aproximei para ler seu nome e vi que se tratava de uma coletânea de histórias de um dos meus personagens preferidos.

Sandman.

O senhor dos sonhos, responsável por moldar tudo que conhecemos no plano acima do céu e abaixo da terra, no limiar da mente e da consciência, criando e navegando pelos sonhos e pesadelos mais profundos e sinceros de todas as raças. Um ser eterno e imutável, o rei pálido, nobre, melancólico e taciturno.

Afastei o livro da cômoda e o empurrei até o fundo, devolvendo-o ao lugar de origem, como num filme de fantasia, escutei o clique de um dispositivo, que iniciou um processo de um mecanismo, revelando uma porta por trás das estantes de livros, uma passagem além do escritório.

Olhei para o relógio.

Dezessete minutos se passaram, não havia mais possiblidade de sair daquela sala sem ter maiores problemas. Porém, não podia regressar agora, minha intuição dizia que se o paciente 77 é alguém além do mito, aquela entrada seria a resposta.

Quando a porta se abriu completamente, revelou o que eu mais temia. 

Apócrifos - A porta dos onze fechosOnde histórias criam vida. Descubra agora