"Muitos foram os que desceram pelo abismo do inconsciente sem conseguir voltar. Os manicômios são suas moradias, pois deles são o reino da insensatez. Outros - muitos poucos, apenas os escolhidos - seriam capazes de contar o que há por trás da loucura..."
— O que é ser louco senhor Lucien? — Perguntei, observando aquela frase anotada no caderno, junto com vários símbolos que não consegui entender.
— Essa é uma pergunta difícil Ed, lembra quando falamos dos apócrifos?
— Lembro sim, os livros que as pessoas dizem ser mentira por que não sabem explicar.
— Isso mesmo! A loucura é algo parecido, só que ao invés de livros, estamos falando da própria mente humana. Existem diversas histórias que falam sobre este tema, mas gosto muito de três em específico, e o mais legal é que todas envolvem um misterioso livro que pode induzir a loucura em que lê. Mas o que não sabemos é se esta loucura é boa ou ruim, já que, não podemos julgar uma coisa que não conhecemos. De repente, essa insanidade o leve a lugares e descubra coisas que nenhuma outra jamais pensou.
Como de costume, com muita habilidade e rapidez, mesmo para um homem grande, o senhor Lucien foi até uma de suas muitas prateleiras, subiu na escadinha e separou três livros.
O primeiro tinha o nome de "o rei de amarelo", o segundo chamava-se "a história do necronomicon" e o terceiro carregava uma capa estranha.
— Qual o nome deste último? — Perguntei, olhando para os três livros colocados sob a mesa e apontando para o que tinha um símbolo que lembrava o céu de noite.
— A lenda dos dias negros — Disse o senhor Lucien, passando a mão sobre a capa para tirar o pó.
Eu espirrei.— Olhe bem para a capa. Trace linhas imaginárias conectando todos estes pontos brilhantes que parecem estrelas num imenso manto negro. O que vê?
Forcei os olhos, tentando ver algo naquela capa.
— Não consigo ver nada senhor Lucien, será que estou ficando cego?
— Claro que não — Ele deu risada — Está de ponta cabeça.
Ele virou o livro para mim.
— Agora, o que você vê?
— Parece um homem... um homem careca...
— Muito bem, é exatamente um homem.
— Mais o que significa?
— Vou ler o conto para você, e tenho certeza que entenderá, o que acha? — Ele voltou e se sentou em sua imensa poltrona vermelha.
— Acho ótimo!
Fui até lá, sentei em seu colo e ele abriu aquele misterioso e fino livro.
"Esta é uma lenda antiga, não mais que a criação do universo, porém, ainda assim bem antiga. Nela um bravo e curioso explorador egípcio chamado Amon Sadat faz uma descoberta que o faria ser conhecido na posteridade por seus seguidores e simpatizantes como 'Amon o louco'.
O tempo uivante nos contou, sussurrando ásperas palavras de horror e angústia que Sadat era um apreciador fervoroso da breve, porém única, viagem astral que a alma percorre ao padecer. Entretanto, sem sujeito próximo, vivo ou morto, que pudesse explicar a respeito do quebra-cabeças da existência, o corajoso descobridor foi até os maiores peritos da primeira ciência medicinal e os perguntou o que sabiam sobre a morte. Todos, sem exceção, com rancor e ira nos olhos, proferiram palavras escaldantes contra o jovem, dizendo que: 'E acaso sou eu guardião de Anúbis? Representante dos falecidos em nome de Osíris? Responsável por guiar espíritos além do túmulo? Pergunte aos mumificadores, pois, é de seu trato o caminho inverso da vida'.
Sem reduzir uma única gota no oceano da esperança, o pesquisador amador percorreu outras léguas até os embalsamadores, que enquanto realizavam seus procedimentos físico-espiritualistas nada trouxeram de concreto ao entusiasta mortífero. Vendo a massa cerebral ser extraída através das narinas usando um metal recurvo e compostos induzidos na cabeça, junto com a incisão no flanco com pedra proveniente da Etiópia visando a retirada dos intestinos. O homem de nariz pontiagudo e aparência depressiva teve uma única certeza, que sendo então o corpo mortal e frágil, haveria de ter um lugar onde a eternidade da alma transcenda a imaculada vida terrena.Se ser humano algum é capaz de desvendar tal esfinge, serei o primeiro a cruzar os portões sagrados escondidos dos menos afortunados de conhecimento.
Amon Sadat vagou sem destino por terras desconhecidas, civilizações ocultas e cidades destruídas sem resquícios históricos à procura da resposta para o mistério da morte e a perpetuidade do imaterial.Mesmo com anos de falsas descobertas, fagulhas de pensamentos oriundos de mestres antigos, eis que surge perante o homem mais pálido do antigo Egito a informação que o fez ter certeza que existia o que procurava. O informante relutante, receoso pelos infortúnios que a escassa história gerou a seus raros ouvintes, após muita relutância, fadigado pelos desejos ardentes de Amon, pronunciou o texto que ouvira de seu antepassado, também sucumbido ao que os desprovidos mentais chamam de loucura.
'Não houve nunca, homem e nem mulher, jovem ou idoso, vivo ou morto, que pôde presenciar depois dos primeiros daquela época os dias negros. Tempos onde os céus eram abertos e qualquer um devaneado poderia vislumbrar a constelação do homem, e teria encontros com seres que vivem além do infinito, sob o cosmo, porém, tão próximo da consciência individual quanto possível, um fogo que queimava apenas os que não entendiam sua chama.
Alguns poucos narravam terem visto no céu noturno um aglomerado de estrelas, escondidas entre suas irmãs brilhantes no manto negro da noite, juntas tinham forma semelhante aos de nossa raça, um homem sem rosto que vigiava de cima a porta para a imortalidade da alma.
Atrevidos e desavisados interesseiros buscaram a constelação do homem como se deuses estivessem entregado a chave do além, um surto de insanidade tomou conta da primeira civilização, e não se podia mais confiar na certeza daquele hieróglifo estampado no céu, alguns audaciosos ou talvez lunáticos ainda se arriscaram a encarar os horrores mentais que a constelação do homem trazia.Porém, não se sabe dizer o que ou quem, trouxe desgraça sobre os insólitos homens que insistiam em atravessar proibida passagem, e subverteu-se o período conhecido como dias negros, dias em que tudo acima da cabeça dos seres humanos fora forrado com uma imensa e continua túnica obscura. O céu se tornara um oceano preto, manhã, tarde, noite, estrelas e até mesmo o sol e a lua desapareceram engolidas pelo monstro noturno que consumiu tudo.
Exorbitante pavor tomou conta do povoado inicial, com temor todos acreditaram terem enfurecido a divindade absoluta, que trouxe o fim a suas depravadas vidas, subjugando sua audácia e aniquilando o portal que propiciava passagem ao lugar vedado aos humanos'.
Amon enaltecido com epopeica descoberta, escreveu em seus amarelados pergaminhos toda a lenda dos dias negros, e após tomar nota de qualquer vestígio que relacionasse ao conto sombrio, iniciou sua jornada a procura da perdida e esquecida constelação do homem, observando o céu noturno por incontáveis anos, buscando o símbolo da sabedoria absoluta, que entregaria o direito de visitar o lar dos imortais, onde apenas os escolhidos e sublimes homens poderiam ascender.Já chegado o fim da vida, com dores nos tornozelos que dificultavam o caminhar, e névoa branca sob a visão que impossibilitava de enxergar adequadamente, sozinho e abandonado, carregando as notas de décadas de pesquisa, o incansável Sadat chega até uma necrópole esquecida em Sheikh Abd el-Qurna.
Compartilhando momentos com os defuntos ali enterrados, repete sua história e a lenda dos dias negros à carcaça daqueles que outrora respiraram. Preparado para se juntar aos companheiros que em outros tempos ajudou a sepultar, sentou-se em uma cova, encostou a cabeça na ruína e por uma última vez olhou para cima.
Nem mesmo sua inquebrável força de vontade fora capaz de acreditar ao erguer a fronte, o gesto que repetiu sua vida inteira desde que ouvira o antigo mito proibido, o que Amon Sadat não esperaria, muito menos em tal idade e condição, não sabe se enlouquecido pela busca impossível das estrelas, a conjectura verdade da constelação do homem, era aqueles furos no teto da necrópole, buracos simetricamente perfurados, que davam acesso a uma quantidade especifica de astros.
A disposição do velho homem era tamanha, que mesmo enfraquecido pegou seus papéis e continuou a gravar com tinta o que seus falhos olhos mostravam. Os furos traziam a localização perfeita das estrelas que compunham a constelação do homem.
O que foi visto depois foi classificado como alucinações no leito de morte do egípcio conhecido como 'Amon o louco'.
Que em sua busca interminável e longa para superar a morte e eternizar a alma, descobriu que não há sanidade suficiente para explicar a insanidade".
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Apócrifos - A porta dos onze fechos
Mystery / ThrillerAnderson Valadares Autor de: "O homem e a caixa"; "A vila das máscaras" e "O moldador de mentes" Narra sua quarta história: "Apócrifos - A porta dos onze fechos" *** A mente humana ainda possui muitas incógnitas, algumas delas talvez jamais cheguemo...