Me levantei bruscamente, como quem acorda de um pesadelo, assustado e ansioso, as mãos transpirando, o corpo inteiro molhado, ofegante, coração acelerado. Não soubera quanto tempo estivera adormecido, mas a voz ainda estava nítida em minha cabeça, era quase que possível enxergar no ar as letras que compõem o fonema de teu nome.
Beatriz? É você?
Da mesma maneira que sua imagem veio à mente.
Partiu.
Rápido como o som.
A voz não era de Beatriz, mas sim de uma outra mulher, que encarava Virgílio sem dizer uma palavra, ele repetia o gesto, aparentando familiaridade.
Toda sua vestimenta e aparência não era estranha, adornos de ouro no pescoço, cabeça e antebraços, vestido fino de seda azul, brincos extravagantes, um perfume afrodisíaco e uma pele morena lisa e bem cuidada.
Fiquei por mais alguns segundos observando os dois, antes de notarem meu despertar.
A mulher de semblante egípcio, com uma postura elegante e poderosa, caminhou a passos lentos em minha direção, passadas rítmicas, andando sobre uma única linha, os longos cabelos negros como a noite balançavam de um lado para o outro, uma expressão sensual e caçadora.
Mãos na cintura, parou a menos de dez centímetros do meu rosto, curvada para ficar na mesma altura que eu me encontrava sentado.
Passou-se um tempo constrangedor e nada disse.
— Ele não pode se comunicar assim — Finalmente falou Virgílio, quebrando o silêncio.
— Então é mais um daqueles terrenos que flertam com Epifania vindo até o limbo? — Ela se afastara um pouco, permitindo que me levantasse.
— Eu iria embora agora mesmo se não estivesse interessada neste aqui — Disse ela, passando a língua nos lábios.
Confesso que era difícil não ser atraído por aquela mulher, sua personalidade fatal atiçava alguns sentidos em mim.
Mas eu tenho Beatriz.
Quer dizer, não tenho mais Beatriz.
Mas foi ela quem realmente amei, acho que jamais sentirei por alguém o que senti por ela.
Enquanto Virgílio apenas observava toda aquela cena, a linda dama se aproximou uma vez mais, me dando um beijo no pescoço, rápido, repentino e igualmente prazeroso.
Me arrepiei.
Ainda estava triste por lembrar de Beatriz.
Triste.
Mas excitado.
Quão estranho e depravado é isto.
Este tipo de beleza não pode superar o amor.
Como posso me sentir assim? Quando minutos atrás estava me recordando da pessoa que me fez feliz na vida.
Com ambas as mãos a afastei de perto, que demonstrou uma feição de confusão, levantando as sobrancelhas.
—O que foi querido? Você não me quer? Sei que se sente animado comigo, posso ler o que pensa — Falou.
— As sensações estão caóticas e embaralhadas dentro de mim, eu não sei quem é você, ou o que é, onde estou e nem mesmo as coisas que fiz antes de chegar aqui. Por um breve momento tive um vislumbre de alguém especial para mim e não quero manchar isto com outro sentimento sujo.
— Não se irrite assim, eu posso ser o que, ou quem quiser, que eu seja.
Ser quem eu quiser?...
Quem eu quiser que seja...
Quero que seja Beatriz.
Não.
Beatriz, eu quero que seja Cleópatra.
Cleópatra...
— Cleópatra? Você é Cleópatra, por que eu quero que seja Cleópatra... — Afirmei, sendo iluminado por uma forte lembrança que esbranquiçou tudo ao meu redor, e o exato momento voltou como um filme.
Na cena, esclarecedora, trouxe à tona meu maior anseio e medo.
Descobrir quem fui.
Por que Beatriz me abandonou.
Sou doente.
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Apócrifos - A porta dos onze fechos
Mystery / ThrillerAnderson Valadares Autor de: "O homem e a caixa"; "A vila das máscaras" e "O moldador de mentes" Narra sua quarta história: "Apócrifos - A porta dos onze fechos" *** A mente humana ainda possui muitas incógnitas, algumas delas talvez jamais cheguemo...