Capítulo 06 - Natureza

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— Então? Sobre o que falamos? Sexo? — Perguntou Cleópatra — É meu assunto favorito.

— Devemos falar sobre assuntos que possam ajudar Edgar a ter uma lembrança de sua vida terrena irmã — Retrucou Virgílio — O que acham que eles fazem o dia inteiro?

— Se levarmos em consideração a última memória, não estou muito longe no tema — Ela dera uma leve risada.

— Estamos falando mais do que simplesmente prazer, estamos tratando sentimentos aqui, medo, anseio, confusão e por vezes até ódio. O mínimo que pode fazer é respeitar e não levar tudo de forma leviana.

A expressão de palhaço de Virgílio tornara-se sombria, com um semblante preocupado, não que antes fosse muito alegre, as vestes negras não ajudavam a mudar esta imagem.

— Como sabe tanto a respeito da vida humana? — Falou a irmã de meu guia.

— Não sei explicar, mas há algo de estranho nesta história, me sinto tão perto de Edgar, como se pudesse enxergar através de seus olhos, sentir o que se passa dentro desta carcaça de pele e osso. É quase como se fosse ele por breves momentos.

— Você é esquisito, mas talvez essa ligação possa ajudar.

— O que quer dizer? — Perguntei.

— Há um motivo para o pai ter criado o limbo.

Virgílio demonstrou tanto espanto com o início daquela informação quanto eu, aparentemente ele mesmo não entendia muito bem toda aquela criação.

— Quando os primeiros seres humanos foram criados, não existia nada que bloqueasse o mundo material de Epifania.

— Mundo material?

— Era o nome que o pai dava a tudo que não podia navegar por ele, que necessitava de moléculas, átomos, matéria para existir. Os seres humanos sempre intrigaram nosso progenitor, que apontava por vezes como uma criação falha e errônea. Porém, nada pode ser feito a respeito daqueles seres. Logo suas necessidades e problemas passaram a envolver nosso pai, que sentia desequilíbrio entre os mundos.

— Você já existia nesta época? — Questionei, não conseguindo esperar a continuação daquele conto, que poderia revelar muito a respeito de tudo.

— Foi exatamente neste momento que nossos irmãos mais velhos surgiram, antecedendo um grupo que atualmente ficara conhecido como apócrifos, não sou tão velha assim como imagina, mas não demorou muito até que eu nascesse e Epifania passasse a ser um grande reino, além das terras e dos mares, transcendendo os céus e até mesmo o cosmo, tão longe e tão perto dos seres humanos. Porém, não demorou muito até que algumas coisas começassem a incomodar o primeiro de nós.

Cleópatra deu uma breve pausa, como se tivesse uma recordação agradável. Depois continuou a narrar.

— Como já sabem, todos os seres em nosso mundo compartilham uma mesma característica, já escutei o termo onisciência para descreve-la. Tudo graças ao pai, que permitiu através dele termos ciência de tudo que nossos irmãos pensam ou sentem. Compartilhamos como se fossemos um único ser com diversos membros separados da cabeça. Agora, imaginem o que aconteceria se esta habilidade fosse compartilhada com a raça humana?

— Acho que seria um caos... Falei, pensando alto.

— O pai achava o mesmo, e quando me apaixonei pela primeira vez, ele teve certeza.

— Por que? O que aconteceu?

— Todas as noites de amor que tive com meu amante traziam um risco a estabilidade de nosso mundo, criavam-se brechas entre a terra e o caminho do pai, cada vez mais passei a atrair pessoas para Epifania, que por vezes conheciam meus outros irmãos e irmãs, atingindo um vislumbre de como viria a ser a onisciência, estreitando nossos caminhos, e convergindo para nos tornarmos uma única espécie. E o gatilho para isso? Apenas um relacionamento entre um ser humano e um ser consciencioso. Sem barreiras, estávamos muito expostos e próximos de entregar um dom que poderia ser perigoso nas mãos erradas.

— Então criou-se o limbo?

— Exatamente! Uma proteção que cercaria todo nosso reino, inibindo que alguém de fora pudesse sentir a mente dos outros e adentrasse Epifania, uma espécie de local privado onde ainda pudéssemos manter nossos vínculos com a humanidade sem atrapalhar o funcionamento de nossa física.

— Mas mesmo com o limbo, Virgílio mencionou a respeito de pessoas que puderam atravessar o grande portão de aço e ver seu reino — Disse, lembrando de uma das minhas primeiras conversas com o palhaço gótico.

— De fato, houveram casos, mas vejam que estamos falando de poucas unidades e não de um planeta inteiro.

— Mas quem foram eles?

— Os detalhes da criação, bem como muitos outros mistérios passados, sejam eles longínquos ou não, apenas o pai terá a resposta, tudo que escutamos e aprendemos sobre nós é que devemos seguir nossa natureza e não bloquear quem somos. E falando em natureza, eu já estou farta de conversar tanto tempo com um homem sem tocá-lo e tê-lo em meus braços.

Muito do que Cleópatra dissera poderia parecer contos antigos, passados de gerações em gerações até que pudessem atingir os tempos atuais, como lendas de deuses outrora esquecidos pelos seus seguidores e que agora precisam de orações para serem lembrados.
Entretanto, algo em tudo aquilo me chamara a atenção, todos os seres com exceção do pai, não tinham controle sobre suas vidas, simplesmente se entregavam as suas naturezas e coexistiam sem um motivo próprio.

Seguir sua própria natureza.

Isso me lembra de algo...

Devemos ser culpados por seguir nossa própria natureza? Nossa essência?

Acho que já me questionei sobre isto alguma vez.

Apócrifos - A porta dos onze fechosOnde histórias criam vida. Descubra agora