Capítulo XI - Lúcifer

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— Acha mesmo irmã Geórgia que este menino tem salvação?

— Não sei, talvez padre.

— Ele é fruto de um crime, um símbolo de pecado, tê-lo foi um erro e agora ele começa a se interessar por este tipo de leitura? 

— Ele tem apenas sete anos. 

O padre veio até mim, escutei os estalos da madeira do chão da igreja enquanto ele andava.
Pegou meu livro com força. 

— Olhe para a capa irmã! Um demônio verde, com tentáculos no lugar da boca, asas nefastas e olhos vermelhos como o inferno! Isso é uma blasfêmia e afronta na casa do Senhor. 

— Irei conversar com ele sobre isso padre. 

— Não há mais tempo para conversa, você é a mãe desta criatura e deveria no mínimo colocá-la nas rédeas. Talvez ele tenha puxado mais você do que o idiota que lhe estuprou. 

— Não fale estas coisas na frente do menino, padre... por favor... 

— Ele não é um menino, não sabe se portar como um, irei puni-lo e em seguida você também irmã. 

O padre segurou meu braço com força e me sacudiu. 

Doeu um pouco. 

— Mãe... estou com medo... não quero ir para a salinha de novo...
Minha mãe me olhou, e não me resgatou. 

— Lúcifer! Vamos para o lugar de onde pertence, desta vez, ficará oito horas no limbo, sem direito ao jantar. 

Fui jogado no quartinho escuro, molhado e pequeno. 

Antes de sair, o padre ainda disse. 

— Lembre-se do teu nome. Lúcifer! Você é uma vida que não deveria existir, não quero mais vê-lo com este tipo de livro, irá ler a santíssima Bíblia sagrada todos os dias, um capítulo pela manhã e outro à noite, todos os dias. Até que entenda teu nome.
Fiquei quieto. 

— Você me entendeu? 

— Sim, padre. 

— Ótimo! Agora irei entregar o castigo de sua mãe. 

Bateu a porta com força. 

Tudo era muito quieto ali, não era legal. 

Mas consegui guardar aqui na cueca os papéis amassados com as histórias e a pequena lanterna que o senhor Lucien me deu, ele tem muitos livros e histórias para contar. 

Vou conseguir ler todas que trouxe. 

Minha barriga roncava. 

Só que antes tinha que esperar o castigo da mamãe, eu não entendia por que ela tinha que ser punida pelo padre. As irmãs da comunidade falavam que o que aconteceu com ela foi justo. Eu não acho. 

O senhor Lucien diz que anjinhos como eu não precisam tocar o solo impuro da vida.
Escutei as amarras da corda sendo puxadas, o padre já tinha começado. 

Minha mãe estava no quarto do lado com o padre, na primeira vez gritei para protegê-la. Mas ele veio até aqui, me bateu muito e disse que faria pior com minha mãe se eu continuasse fazendo barulho. 

Então aceitei que sofrer um pouco poderia prevenir sofrer mais. 

— Irmã Geórgia. 

Começou. 

— Deus trouxe equilíbrio a seus atos, fazendo-a cumprir sua penitência conforme o passado que tivera. Confesse seus pecados e repita em voz alta por que está recebendo esta expiação. 

Já decorei as primeiras palavras da mamãe... 

Ficava triste por ela. 

Sempre corriam lágrimas. Mesmo ela falando que homens não choram. 

— Sou uma pecadora, nascida germinada com a impureza, quando jovem cometi crimes contra o humano e maior que isso contra o Senhor Deus altíssimo. Usurpei a vida a mim cedida com tanta paixão com meios indecentes, convivi e adorei deuses mundanos. Minha sina veio aos vinte anos quando um de meus parceiros enviado pelo inimigo, depositou forçadamente em meu ventre uma semente. 

— Agora irei erguer suas vestes e açoitar o símbolo deste desejo carnal que a moveu, enquanto isto continue a partir de onde parou.

Escutei algo cortando o ar e depois um grito abafado da mamãe.

— A semente implantada com o tempo se tornou um ser vivente, que respirou, chorou e trouxe consequências. Hoje tenho uma nova oportunidade de reaver a alma e cumprir minha pena. 

Outro corte no ar, desta vez, sem gritos. 

— Repita o nome dos seus pecados. 

— Lúcifer! 

Outro. 

— Lúcifer! 

Mais um. 

— Lúcifer! 

Mamãe... não sofra... 

Depois de bater nela, o fim era sempre igual, ouvia sussurros, gemidos seguidos de vários estalos em sequência, durava uns quatro minutos, o senhor Lucien disse que adultos fazem coisas que as crianças não conseguem entender. 

— Terminamos irmã Geórgia, o Senhor a purificou de novo. 

— Amém padre. 

— Amanhã as sete da manhã solte-o. 

— Sim. 

— E não esqueça de tomar seu medicamento. 

— Sim padre. 

— Não esqueça o que fiz por você, caso contrário estaria numa situação muito pior, jogada numa cela com outras cinquenta mulheres, torcendo pelo dia que uma droga ou uma detenta a matasse. 

— Sim padre. 

Quando escutei a porta sendo aberta e depois fechada, entendi que terminou. 

Desculpa não fazer nada mamãe... o senhor Lucien disse que posso crescer forte e inteligente o suficiente para ser quem eu quiser, escolhi ser um escritor, escreverei histórias bonitas para você onde estaremos num lindo castelo no meio da floresta, terá muita comida e livros. Lá ninguém te baterá. 

Agora, vou ler a história que o senhor Lucien me deu. 

Acho que fala de sonhos. 

Apócrifos - A porta dos onze fechosOnde histórias criam vida. Descubra agora