Capítulo 41 - Hiperconsciência

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"Os efeitos da hiperconsciência o afetarão e um vislumbre de sua existência até aqui será repassado.

Três estágios de percepção.

Hylikoi

Psychikoi

Pneumatikoi

Quatro períodos do seu ciclo de vida.

O padre.

O ocultista.

O médico.

A editora.

Ao fim compreenderá seu destino.

Seja liberto de todo o fardo psíquico que carregou até aqui, entregue-se a hiperconsciência e compreenda a cadeia evolutiva do ser, reveja sua ascensão saindo do material, passando pela mente e finalmente atingindo a magnitude da alma.

Esqueça seu nome.

E seja.

Epifania".

De volta da imensa travessia da consciência que realizei, com as memórias intactas da viagem astral que o pai me fez resgatar, agora tudo fazia sentido.

Minha jornada de vida foi construída para que este momento chegasse, conseguindo o maior dos esclarecimentos que a mente humana poderia adquirir.

Agora, eu compreendia que o pai, Minak, a loucura, existia.

A luz que antes de eu partir estava cegando minha visão, e a voz mental que paralisava os músculos do cérebro já não me afetavam mais. E eu, podia enxergar todos que estavam comigo naquele pequeno quarto.

O lugar criado como sala de esperas por Minak para proteger o reino da invasão dos seres que não entendiam a sua criação.

O limbo.

Ao todo, estavam doze seres na sala. Onze deveriam ser os Apócrifos, e o décimo segundo o próprio pai. Que agora tinha sua aparência revelada, com uma espécie de tubos flexíveis que lembravam chicotes saindo de sua cabeça, eram longos, e pareciam absorver uma energia presente na atmosfera. Atrás dele, a porta dos onze fechos estava aberta, ainda com uma luz branca brilhando e impossibilitando de ver além.

Eu me sentia diferente. Podia escutar os pensamentos dos demais, como se existisse uma imensa rede de computadores que conectasse todos nós a um único servidor.

"Gostaria de apresentar seus irmãos". Disse o pai, num tom calmo e acolhedor. "Aqueles que partilharam diversos momentos de sua vida terrena enquanto esteve adormecido para a hiperconsciência".

"Suas aparências são modificadas visualmente e materializadas pela mente do consciencioso em um ser que lembre algo durante a fase em que esta corrente foi liberta. Sempre os enxergará desta maneira, só que isto não quer dizer que outros o verão da mesma forma. A essência de um apócrifo é única e imutável, porém, sua transmigração varia de acordo com a mente que compartilham".

Eles se aproximaram de mim, e fecharam-me dentro de um círculo. Todos se comunicavam de igual maneira.

Com aparência de assustado e ainda acuado estava o terceiro ser que conheci no limbo.

"Edvard, como o batizou na primeira vez que o viu. É o apócrifo da ansiedade. Transformado nesta figura magra e pequena durante seu contato com a obra 'O grito'. É um ser extremamente preocupado e inseguro, temendo por tudo que o rodeia".

"Cleópatra, outro nome dado durante sua estadia inicial aqui. É a representante da satiríase em homens, ou ninfomania em mulheres. Suas fantasias sexuais a personificaram nesta pessoa. Tem hábitos compulsivos em relação a tudo que envolva o amor carnal humano".

Ela acenou pra mim com a mão direita e enviou um beijo em seguida.

Um ser sem face. que não tocava o chão, com cinco braços de cada lado, simetricamente posicionados na mesma distância um do outro, se aproximou.

"O apócrifo do transtorno obsessivo-compulsivo apareceu como uma das trancas da porta que guarda o reino, quando ainda criança você desenvolveu a necessidade de anotar tudo que aprendia, sua aparência vem do homem vitruviano apresentado por Lucien. É obcecado por todo tipo de padrão e organização".

Um esqueleto com órgãos a mostra tocava seu sistema digestivo, tentando aparentar uma expressão de dor e incomodo.

"Apócrifo da somatização, lembra o personagem de sua história 'o rei do trono de caveiras', traz os pensamentos que tinha quando reclamava de dores corporais que não existiam, tendo a falsa ilusão de ter problemas, assim como todos os seres que entram em contato com a somatização fazem".

Em seguida, o pai apontou para o médico vestido igualmente aos da época da peste negra, nervoso e olhando para todos os lados, parecendo procurar uma saída daquele lugar.

"Transtorno de ansiedade social, acredito que já deva compreender a sensação de liberdade e segurança ao usar esta máscara, fugindo do convívio com o exterior, que tanto lhe trazia pavor".

Quando vi a menina com sombra de demônio e o rapaz de moicano que trazia asas em sua projeção. Lembrei exatamente do sonho que tive quando criança.

"Transtorno bipolar é representado pela figura destes dois irmãos, que combinam personalidades distintas e opostas demonstrando as alterações de humor que teve durante a vida, experimentando a raiva intensa quando jovem com seu pai e mais calmo na posteridade, além das alternâncias em momentos pontuais".

O mesmo anjo de uma asa que visualizei durante meu período negro também estava no círculo daquelas entidades.

"O apócrifo da depressão foi um dos que mais teve participação em sua existência terrena, estando ao seu lado durante a perda de sua mãe e sua esposa, os amores de sua vida".

Um horripilante coelho com a face exatamente igual à da máscara que Andrew utilizava como fetiche, observava e esperava ansiosamente sua apresentação.

"Estresse pós-traumático pode não lhe trazer boas lembranças, mas sua aparência marcou sua vida para sempre, sendo exposto a crueldade de seu pai e sofrendo em silêncio todas aquelas noites".

Um grande gorila vermelho e furioso distribuía socos em seu peito. Do canto Edvard gritava dizendo que era ele que temia, que tinha medo dele e que não queria estar do lado daquela criatura. Ela era má e cheia de ira.

"O apócrifo do transtorno de personalidade de Borderline surgiu durante a seção de choque que Harold Brown o submeteu, indicando que poderia transformar um homem numa fera insana se quisesse".

A criança que apareceu em meus últimos momentos na cabana, também estava presente entre as entidades, sorria e olhava para cima como se estivesse enxergando algo que só ela podia ver.

"Acredito que deva se lembrar da esquizofrenia, criada em seus últimos anos, responsável por materializar tudo que enxergava em sua mente".

Minak fez uma pausa, e então veio até mim, estendendo a mão, o palhaço gótico Virgílio. O primeiro apócrifo, escolhido para ser o guia dos loucos.

"Por fim, dispenso apresentações para o transtorno dissociativo de identidade".

Todos juntos deram a mão, e numa corrente como num fim de apresentação de teatro saudaram-me.

O pai, acima deles, disse:

"Estes são os filhos de Minak, a loucura. Os apócrifos".

Apócrifos - A porta dos onze fechosOnde histórias criam vida. Descubra agora