Capítulo XX - Luto

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O fatídico dia retornou mais uma vez numa lembrança sólida que me causou um mal-estar.
Estávamos em casa após a reunião de decisão da editora em manter o final alterado para a história, ambos animados e com pressa para finalizarmos cada qual seus preparativos, ela e eu separávamos nossos pertences para levarmos.

— Não acha que tem pouca coisa? — Perguntou Bia, olhando para os três kits de roupas que joguei na mala. E comparando com as estufadas bagagens que ela preparava para sua viagem.
— Pelo tom de voz na sua pergunta, acredito que seja melhor colocar mais algumas camisas e calças — Falei, no estilo que se brinca falando sério.

Ela sorriu e pulou em cima de mim, me derrubando na cama.

Fui agraciado com um beijo carinhoso.

— Já peguei as passagens para ir até a Grécia — Disse ela — Vou preparar tudo para quando voltar. Meu Deus, nem acredito que iremos casar no partenon.

Bia deu um grito característico de uma fã adolescente num show da sua banda favorita.

— Zeus, Poseidon e Hades nos esperam — Falei, invertendo nossas posições, e agora ficando por cima dela.

Aquele beijo seria o último que daria em sua boca.

Na tarde do dia seguinte, algumas horas depois de ter se despedido dela no aeroporto, estava preparando o café antes de sair para as montanhas, quando escuto na televisão da sala a notícia.

A pior notícia que tive na vida.

O avião que Bia viajava havia caído, alguma coisa relacionada a falha humana dizia o repórter.
A xícara que segurava se desprendeu da minha mão, atingindo o solo e se espatifando, inúmeros fragmentos de porcelana preencheram o chão da cozinha.

"Não houve sobreviventes" foi a segunda informação que escutei.

Não soube como reagir, fiquei ali parado, bloqueado para o restante do mundo, tudo ao meu redor se silenciou, pude escutar meus batimentos cardíacos e vozes conversando dentro da minha cabeça. Talvez aquele fosse o gatilho que faltava para me entregar a loucura.

Sem rumo, continuei vivendo com Beatriz após ela falecer no trágico e catastrófico acidente de avião. Eu ainda via seu rosto e escutava sua voz, em determinados momentos até sentia seu toque. Houve uma lacuna de três meses após a fatalidade, neste meio tempo, não fiz nada, não chorei, não dormia, quase não comia, um eterno negro tomou conta da minha alma.

Fiquei taciturno e a depressão consumiu meu pensamento, passei a me dedicar a um novo livro, um que pudesse de fato transcender a barreira da mente e tocar os rostos de minha mãe e Bia.
Nele, colocaria todo o conteúdo e a experiência que vivenciei desde a sua partida, os dias obscuros me fizeram sábio, chegar até o fundo do poço me mostrou uma passagem secreta ao mundo imortal.

Eu tinha a fórmula para superar a morte.

O manual de ascensão ao trono imaterial.

Vislumbrei o que nenhum outro ser humano pôde ver, e chegaria ao lugar que homem nenhum poderia pisar, por que, não há estradas que levem até lá, a expansão está mais próxima do que imaginamos. Enquanto a humanidade busca o cosmo, a procura de outras raças inteligentes, eu sei que elas estão dentro de nós, a chave para o acesso não envolve naves espaciais ou sondas lunares, mas sim a morte do ego e a entrada na parte inacessível de nossa mente.

Olhei para o livro de capa preta intitulado Nigrum que guardei comigo durante todos estes anos, agora seria o momento de reabri-lo. Demorei, mas finalmente pude entender seus escritos profundos e usaria tal conhecimento proibido para chegar do outro lado.

Bia.

Mãe.

Me esperem.

Estou atravessando o céu para revê-las. 

Apócrifos - A porta dos onze fechosOnde histórias criam vida. Descubra agora