Capítulo XVII - Amor

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Sabe aquela sensação de ter um grande propósito? Uma determinação que te faz parecer invencível? Indestrutível? Capaz de atravessar o oceano pacifico nadando e dar a volta na terra caminhando? Desde o dia que saí dos braços da minha mãe e fui entregue ao mundo, tenho este poder latente em mim.

Eu transpirava meu sonho, era o primeiro pensamento ao acordar e o último quando ia deitar, durante muitas noites e dias, semanas e meses, busquei realizá-lo.

Perdi a conta de quantas vezes fui rejeitado, mensagens ofensivas que recebi e olhares que discriminavam meu trabalho. Mas, nada me impedia de continuar, por que, o que tanto queria não era a aprovação de humanos, mas de um único anjo, que me olhava do céu, torcendo para que chegasse o dia em que poderia tocar sua trombeta divina em resposta a meu choro de felicidade.

Quando recebi a ligação, mesmo surpreso, não imaginei que chegaria tão longe, ouvir "senhor Edgar, adoramos sua obra e gostaríamos de publicá-la" foram as palavras que esperei a vida inteira.

Só que não parou por ali.

Entrevistas, adaptações para a TV, participação em programas famosos e inúmeras outras novas histórias lançadas. Nem no meu dia mais otimista pude imaginar tamanho sucesso.

Durante estes quase cinco anos, prestei muitas homenagens e referências a pessoa responsável por toda esta conquista.

Geórgia.

Minha mãe.

Minha luz.

Meu anjo.

Aquela noite era ainda mais especial que todas as outras. Pela primeira vez iria numa sessão de autógrafos em Riverside, onde fui criado por ela, minha terra natal. Fiz questão de que o evento fosse realizado na inauguração da reformada igreja do centro, último lugar onde lembro de ver seu rosto e sentir seu abraço.

O amor mais puro e inefável da natureza.

Enquanto ia caminhando saindo de casa na área rural até o local marcado, estive observando o céu estrelado, sabendo que ela me vigiava de cima, de trás do brilho da lua.

Mantive as mesmas roupas humildes que utilizei em outras ocasiões, nunca quis o dinheiro proveniente dos livros, ele foi melhor utilizado nos locais que fora destinado.

Na reconstrução da igreja. Transformando-a num lugar adequado para crianças abandonadas e pessoas que necessitassem de um lar. Batizada de lar Geórgia de amor ao próximo, não havia maior alegria do que ver aqueles seres humanos sorrindo e se sentindo queridos.

Ao lado uma biblioteca pública de apoio aos estudos, onde pessoas sem condições poderiam ter o mesmo nível de ensino das maiores instituições do país. Escola de ensino fundamental, médio e superior Lucien.

Também houve o fechamento do Harold Brown Asylum, que deu lugar a uma verdadeira casa de recuperação para pessoas com distúrbios e doenças crônicas. O nome que dei foi casa da esperança paciente 77.

Finalmente pude ser útil no mundo, afinal de contas, o que seria da vida se não tivéssemos a oportunidade de retribuir os carinhos que as pessoas nos deram? O que seria da vida se a existência fosse meramente uma corrida egoísta de conquistas próprias? Fazer a diferença para uma única pessoa é um prêmio eterno, enquanto acumular riquezas que perecerão junto ao seu corpo, não passa de um número vazio e frio.

Uma única pessoa me mudou.

Minha mãe. Que me amou verdadeiramente, e mesmo quando não sabia o que fazer, tentou tomar a melhor decisão, pode ter errado em sua vida, mas fez a diferença na minha. E graças a ela, outras crianças, jovens, homens e mulheres terão um destino melhor.

Já atravessando a rua que dava acesso a igreja, enxerguei uma multidão de pessoas que foram prestigiar aquele momento, lágrimas começaram a cair, depois de muito tempo, estava chorando uma vez mais.

Mesmo sabendo que homens não deviam chorar.

Sorri de felicidade.

Não pela fama ou sucesso.

Mas, por ver o nome dela escrito na fachada da construção.

Crianças com a mesma idade que eu tinha quando a deixei estavam correndo em volta do parque, se divertindo como sempre deveria ter sido.

Começaram uma salva de palmas ensurdecedora quando me aproximei do estande com inúmeras cópias dos meus livros sendo distribuídos. Exigi que fossem dados de graça a todos que quisessem, não queria que cobrassem um centavo pela entrega.

Os representantes da editora e também meus novos agentes literários estavam do lado de um pequeno palco que haviam montado. Chamavam Natalie e Jake, mas os batizei carinhosamente de Beatriz e Dante.

Eu não queria subir no púlpito para falar, como se fosse superior a alguém ou um prefeito se candidatando, preferiria fazer uma roda no chão junto as crianças e contarmos nossas histórias, mas todos fizeram questão de que fosse até lá para fazer um discurso.

Então me aproximei, peguei o microfone e passei o recado que diria se minha mãe estivesse ouvindo.

— Tive uma vida boa, uma pessoa que me amou verdadeiramente e me ensinou tudo que sei e sou. Se desejarem algo mais do que tudo neste mundo, que este desejo seja o amor, pois, apenas ele é capaz de guiar a humanidade para o lado certo. De empurrar o orgulho, esmagar o ódio, liberar o perdão e superar a morte. Por isso, sempre que puderem, não batam, abracem, não machuquem, acariciem, não castiguem, ensinem, não traiam, ajudem e finalmente não odeiem, amem.

Lá de cima.

Entre todas as estrelas.

Uma caia deixando um enorme rastro no céu.

Iluminando meu mundo.

Obrigado mãe.

Te amo. 

Apócrifos - A porta dos onze fechosOnde histórias criam vida. Descubra agora