Capítulo XXV - Nigrum

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A primeira página trouxe uma lembrança difícil de acreditar, o que deveria ser a contracapa de um livro comum, trazia um desenho feito em sangue, a coloração remetia a algo bem antigo, feito às pressas, como se, num súbito repentino, alguém criasse desesperadamente com seu próprio sangue a constelação do homem.

Os mesmos pontilhados que vi com o senhor Lucien anos atrás estavam naquela página, desta vez com um certo tom de desespero, por que alguém usaria sangue para fazer aquele esboço rústico de uma lenda que ninguém poderia comprovar a veracidade?

Fiquei ainda mais inseguro em prosseguir virando as folhas daquele manuscrito, com medo do que poderia encontrar em suas páginas sangrentas. Somente a curiosidade e a sensação de estar diante de algo importante me fizeram continuar olhando o que aquelas notas informavam.
Os textos escritos no Nigrum foram sobrescritos pelo sangue de uma pessoa, que narrou em cima do que o autor havia construído, com letras tortas e apressadas, sua mensagem. O idioma era o Latim, não sei se deveria agradecer a Andrew por me ensinar essa língua morta e ser capaz de ler o que o livro trazia ou amaldiçoa-lo por me possibilitar tamanho infortúnio.

Uma espécie de carta se seguia por entre as folhas outrora brancas com fonte preta e agora manchadas de vermelho, seu conteúdo era desesperador.

"Escrevo tais palavras com muita pressa, ansiedade e aflição, não sei até onde serei capaz de chegar antes do sangue que jorra da veia cubital se esgotar e me levar a óbito, ou o tempo de algum dos malditos enfermeiros chegarem com suas agulhas grandes e trazerem aquelas camisas que me impossibilitam de mover.

Os passos rítmicos do ponteiro do relógio em minha cabeça não paravam de alertar sobre a chegada deles, acho que posso escutar seus passos pelos corredores me procurando.

Finalmente consegui escapar daquele quarto e pegar o livro de capa preta que roubaram de mim, desculpa se a prosa que aqui se segue parecer confusa, mas não tenho tempo.

E escrevo com um lápis de ponta quebrada, mergulhando-o no meu próprio sangue, trago para quem conseguir interpretar este conhecimento, a verdade sobre o mundo, a descoberta que eles esconderam de nós por tanto tempo.

Existem seres além do nosso entendimento, eles são os responsáveis por controlar tudo que somos, tudo que pensamos e tudo que sentimos. São extra corporais, imateriais e existem desde os confins dos tempos, eles interligam o corpo com a alma e constroem sua morada dentro de nossa mente, na maioria das pessoas, passam a vida sem seres notados, existindo subliminarmente sem expressarem um único sinal.

Você deve achar que sou louco, e está se perguntando como sei disto? Tenha calma que ainda irei te contar se o tempo me permitir, mas primeiro, quero lembrá-lo que você não é responsável por si próprio, há seres controlando-o.

Eles são a eterna presença em seu universo particular, sabe quando você acha que está vendo coisas que não existem? Pois é, não é você que cria isto, muito menos o responsável por gerar essas ideias de que ratos estão mordendo sua pele.

São eles que fazem isto.

Malditos ratos, eles nunca param de me beliscar.

Quando você sente dores nos olhos e sabe que tem algo errado, os médicos dizem que você não tem nada, mas claro que tem.

São eles que fazem isto.

Nas situações que esquecemos de vez em quando quem somos e temos alguns lapsos de memória, os especialistas nos diagnosticam como insanos.

Mas adivinha!?

Exato!

São eles que fazem isto.

Mas você deve estar se perguntando uma vez mais.

Que merda é esta que estou narrando?

Estou contando o que ninguém mais é capaz de dizer, por que serão vistos com maus olhos pelos seus vizinhos, parentes e amigos. A humanidade tem o hábito de julgar tudo aquilo que não entendem, de condenar e exilar o que raciocina diferente dela.

De explicar a insanidade com a sanidade.

Me diga uma coisa você que está lendo esta carta sangrenta e suja, e acha que estou louco.
Você joga futebol bom bola de basquete?

É claro que não!!

Então, não jogue pedras em mim antes de ver às coisas como eu vejo.

Até por que eu tenho provas do que estou falando, eu sei como acessar este cosmo secreto que vive dentro de mim, e que também há dentro de você.

Este livro, este livro de capa preta trouxe a fórmula deste acesso. Mas, demorei minha vida inteira para descobrir algo simples, por isso, estou resumindo o seu conteúdo e substituindo um extenso conhecimento por um tutorial palpável a qualquer um corajoso o suficiente para atravessar a dimensão fantasma do nosso intelecto.

Saia desta capsula que chama de realidade, vivendo enjaulado numa vida plastificada e linear, com fatos cronometrados para existir. Chegou a hora de contemplar cores que ainda não existem, formas não regulares e seres que não respeitam nossa física, moral e ética.

É chegada a hora de nos unirmos a Amon Sadat e velejarmos até a ilha dos conscienciosos.
De contemplarmos nossos irmãos neurais e seu universo infinito.

Então me escute bem, por que não tenho mais tempo, já me encontraram e em poucos segundos estarei amarrado aquela mesa de novo, onde usurpam tudo que sei, arrancando do meu cérebro qualquer coisa que procurem.

Vou te contar onde 'Amon o louco' errou e por que demorou tanto para ver o que almejava.

Chegaram.

Estão tentando derrubar a porta.

Me escute.

Agora.

Não esqueçam.

Amon procurou a constelação do homem nas estrelas, por que foi lá que os antigos o avistavam, porém, depois dos dias negros a imensa figura estelar no céu sumiu, junto com tudo que estava a seu redor.

Entraram.

Droga!

Mas a verdade é que ela nunca esteve de fato lá.

Ela está...". 

Apócrifos - A porta dos onze fechosOnde histórias criam vida. Descubra agora