Carreguei adormecido comigo por um longo período tempo a lenda dos dias negros, e o fim de "Amon o louco". Confesso que procurei algumas vezes no céu noturno a constelação do homem, não obtendo sucesso algum, é claro.
Minha vida se seguiu desde aquele dia, muitas coisas aconteceram, e apenas agora com meu recém-descoberto pai enterrado no quintal de sua própria casa, e isso é mais digno do que ele realmente merecia. Estava eu segurando e olhando para o livro que fui advertido a jamais abrir em vida, uma herança maldita deixada para castigar quem ousasse lê-lo.
Permaneci com ele fechado, apenas observando sua capa escura e seu nome que não trazia revelação sobre o conteúdo. Tive medo das coisas que poderiam acontecer se optasse em não seguir o conselho que fora me dado, dias atrás, pude ver com meus próprios olhos o que aconteceu com o último homem vivo que se tornara obcecado por esta literatura proibida.
Mas afinal de contas, o que um simples livro, com folhas de papéis amareladas e gastas poderia trazer a um ser humano? São apenas palavras ou talvez desenhos e símbolos, mas não poderia ser muito diferente de outros que já tinha visto em vida, tinta e papel, tudo que estava ali dentro seria fruto de tinta e papel, então por que estaria eu tão receoso em averiguar o seu conteúdo?
Algo em meu corpo me obrigava a não seguir em frente. Permaneci congelado, estático, sentado na velha poltrona cheia de furos em frente a lareira, a mesma que Andrew havia morrido balbuciando frases amedrontadoras, sussurros de um moribundo que teve sua sanidade desgraçada por tinta e papel, pelas páginas do livro de capa preta.Pelo Nigrum.
Enquanto refletia sobre o que estava prestes a fazer, inúmeros pensamentos vieram e me alvejaram com força, porém, nenhum deles foi tão sólido quanto a história do egípcio fanático pela transição ao pós vida, e seu desejo ardente em encontrar a resposta para eternizar a alma, até hoje me pergunto o que será que "Amon o louco" viu naquela necrópole em seus últimos suspiros de vida? Teria ele contemplado algo que jamais outro ser humano pode ver? Um caminho mágico que transcende a nossa realidade? A lenda dos dias negros e a constelação do homem realmente existiram? Ou tudo não passou de uma alucinação da mente de um homem fascinado por algo além da nossa compreensão? Ainda há uma terceira possibilidade, de que Amon Sadat nem tenha existido de verdade, e alguém o tenha criado para entreter outras pessoas ao longo dos séculos. Independente da resposta, o conto que o senhor Lucien leu naquele dia, jamais pode ir embora, e continua me seguindo desde então.
Por um instante, enquanto as brasas queimavam na lareira a minha frente, pensei em jogar o livro no fogo, me libertando do peso de tê-lo em casa, vendo-o se dissolver em cinzas junto com todas suas palavras doentias. Entretanto, pensamentos do que deixaria de conhecer evitavam tal atitude.
Por que Andrew não fez o mesmo quando percebeu que sua mente estava perecendo? Uma das hipóteses é que o conteúdo o possuiu por completo, não permitindo que ele tivesse controle de si próprio.
Algo parecido com uma pedra colidiu com a janela da casa, dei um pulo involuntário, os ventos uivavam lá fora, uma tempestade estava a caminho, não poderia existir momento pior, uma voz saindo de dentro da minha cabeça me seduzia a virar logo a capa e revelar o conteúdo da primeira página.
Ela repetia diversas vezes que aquela seria a maior descoberta que poderia ver em vida, pessoas fracas mentalmente sucumbiriam a tamanha revelação, mas não quem estivesse preparado para uma tormenta de informações ocultas.
Pensei no que o senhor Lucien faria se estivesse com este livro em mãos. Possivelmente diria algo semelhante a "livros são histórias contadas por pessoas para que cheguem até outras de igual interesse, não importa o que falem ou descrevam, serão sempre histórias".
Pensando nisto, arrumei minha postura na poltrona, posicionei o livro sobre meu colo, li uma vez mais seu nome e abri na primeira página.
Antes mesmo de continuar, o horror consumiu minha mente, e a confusão me abalou como se estivesse sonhando e tudo aquilo seria apenas um pesadelo.
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Apócrifos - A porta dos onze fechos
Mystery / ThrillerAnderson Valadares Autor de: "O homem e a caixa"; "A vila das máscaras" e "O moldador de mentes" Narra sua quarta história: "Apócrifos - A porta dos onze fechos" *** A mente humana ainda possui muitas incógnitas, algumas delas talvez jamais cheguemo...