Capítulo XII - Rebelião

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— O menino não tem culpa do que a vagabunda drogada da mãe dele fez no passado. 

— Olha a linguagem irmã Abby. 

— Não tem outro termo para usar, olha para o garoto, acho que nunca esteve com tanta fome, e o que ele fez? Leu um livro? Pelo amor do Santo Deus, ele é só uma criança. Deveria estar brincando no jardim com outros da idade dele, não passando o dia lendo a Bíblia, ele nem mesmo entende todas as palavras que estão lá.

Estava com muita fome mesmo, enquanto lavavam a louça eu comi tudo que a irmã Abby e a irmã Selina me entregaram, elas até me deram mais, continuei comendo enquanto elas fofocavam sobre minha mãe e o padre. 

As vezes elas acham que sou invisível, por que falam de tudo sem se importar. 

O senhor Lucien disse que falar sobre os outros não é legal, e devemos olhar para dentro de nós primeiro, buscando sermos pessoas melhores ao invés de apontarmos as falhas alheias. 

Ele é um homem muito inteligente, tem muitos, muitos livros. 

E leu todos. 

— Ele é diferente dos outros... muito mais inteligente, acho que todo o sofrimento o fez ser assim. Mas concordo que ele não devia estar aqui. 

— O padre também é um pervertido doente, se quer fazer coisas erradas, que faça, mas não com o título que tem, não entendo como existem cretinos assim. 

— Irmã Abby... cuidado... as paredes tem ouvidos... e o menino está ali... 

— Não estou nem aí mais, se ele quiser me entregar para a polícia, que entregue, prefiro ficar preso num lugar onde ninguém compre minha liberdade a preço de sexo. E todas que estão aqui deviam fazer o mesmo, podíamos formar um grupo e provar que fomos abusadas por ele durante todos estes anos e quem sabe aliviam a nossa sentença. Pensa comigo, ia ser tão escandaloso que iriam ser incapazes de nos prender. 

— Não sei Abby... 

— Para com isso Selina, pensa nas vezes que aquelas mãos nojentas te tocaram, não consegue sentir o sangue fervendo dentro de você? O ódio borbulhando? Não podemos nos acostumar com isso, o que te prende aqui? Comida? Um teto? A certeza de que a polícia local não vai investigar as pobres freiras de uma igrejinha? 

— Ele é muito esperto... tem informações e registros de tudo que fizemos, ele é capaz de inverter o jogo e garantir nossa passagem para a prisão. 

— Ué, é só queimarmos tudo. Basta descobrir onde ele mantém as evidências, enquanto uma de nós o distrai, e você sabe o quanto é fácil fazer isto, pegamos e ferramos o filho da puta. 

— E a Geórgia? Ela não vai entrar no meio deste rolo, tem o menino... 

— Selina..., me escuta, Geórgia é a mais interessada, depois de ontem ela se abriu comigo, não aguenta mais esta humilhação, o padre é tarado por aquela bundona que ela tem, ele não consegue focar em outra, somente nela, fica usando estes assuntos de disciplina do garoto, quando na verdade só quer ficar em cima dela. 

— E quando está pensando em fazer? 

— Depois que encontrarmos onde ele guarda as coisas, o mais rápido possível. Vamos começar a procurar hoje. 

— Hoje ajudarei na arrumação da igreja para receber aquele grupo de ajuda para vítimas de traumas que a psicóloga está ministrando, depois terei um tempo. 

— Certo, vou falar com as outras irmãs. Vamos acabar com aquele desgraçado. 

A irmã Selina parou e ficou me observando com um olhar estranho. 

— Terminou querido? Preciso lavar os pratos e talheres — Disse ela, piscando pra mim e me entregando uma barra de chocolate. 

Entendi o recado, peguei e sai correndo. 

— Obrigado irmã Selina. 

Corri muito, muito mesmo, para que o padre não me visse com o chocolate, ou ele poderia bater na mamãe de novo. Atravessei o salão principal, onde ficam as cadeiras que as pessoas sentam para a missa, quando estava chegando próximo da porta de saída, minha mãe saiu de de dentro daquela caixa de madeira que conversam com o padre, e deu uma corridinha até mim. 

Ela estava sozinha lá. 

Segurou meus dois braços com suas mãos tremendo, agachou e ficou da minha altura, e com lágrimas disse. 

— Filho, quero que escute bem a mamãe tá. Preste atenção e faça exatamente o que eu vou lhe dizer. Hoje a meia-noite você vai até o jardim de trás da igreja, aquele onde tem o balanço, um homem com um sobretudo preto e um chapéu também preto vai estar lá. Ele possui uma barba volumosa e usa óculos redondos. Você vai perguntar o nome dele, e se ele responder Andrew fosse acompanha ele. 

— Mas para onde ele vai me levar mamãe? 

— Pra uma casa legal, com sorvete e chocolate, a mamãe vai logo depois te encontrar, você vai conseguir me esperar? Vai guardar um pouco de sorvete pra mim? 

— Vou mamãe... isso não envolve a prisão não né? 

— Como assim garoto? Do que está falando? 

— As irmãs Abby e Selena disseram que preferiam ir para a prisão que ficar aqui, também falaram que o padre fica me usando para ficar em cima de você. 

— Filho! Claro que não, isso é fofoca, já te disse que as pessoas falam uma das outras sem saber. 

— O senhor Lucien disse que falar sobre os outros não é legal, e devemos olhar para dentro de nós primeiro, buscando sermos pessoas melhores ao invés de apontarmos as falhas alheias. 

— Exato! E ele está certíssimo. 

— Ele também irá tomar sorvete conosco? 

— Vai sim! Agora você promete que vai seguir exatamente o que te falei? 

— Prometo. 

— Então repita. 

— Meia-noite, no balanço, homem de barba, óculos redondo, terno e chapéus pretos de nome Andrew. 

— Certo! Te amo filho! Vem aqui, me dá um abraço. 

— Te amo mamãe. 

Ela começou a chorar, não entendi muito bem o porquê, então a abracei mais forte para ela se sentir melhor. 

— Mãe, escolhi ser um escritor, escreverei histórias bonitas para você onde estaremos num lindo castelo no meio da floresta, terá muita comida e livros. Lá ninguém te baterá. 

Ela chorou ainda mais e me abraçou quase me sufocando. 

— Te amo filho, te amo. 

— Eu também mamãe. 

Apócrifos - A porta dos onze fechosOnde histórias criam vida. Descubra agora