Capítulo XXII - O Corvo

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"Diante da ave feia e escura,
Naquela rígida postura,
Com o gesto severo - o triste pensamento
Sorriu-me ali por um momento,
E eu disse: "Ó tu que das noturnas plagas
Vens, embora a cabeça nua tragas,
Sem topete, não és ave medrosa,
Dize os teus nomes senhoriais:
Como te chamas tu na grande noite umbrosa?"
E o Corvo disse: "Nunca mais."

— Corvos sabem falar senhor Lucien? — Perguntei, achando incrível a possibilidade.

O velhinho que se parece muito com o papai noel sentou-se em sua poltrona vermelha, afundando-se um pouco.

— Esse que você está conhecendo, provavelmente sim.

— Mas ele não fala muitas coisas né?

— Ele fala o suficiente homenzinho. Essa é uma leitura ainda muito complexa, mesmo para você leitor ávido e voraz.

— Por que senhor Lucien?

— É um poema escrito a um tempo, então possui uma linguagem literária e metafórica que você ainda não está acostumado. Há um sentimento central que envolve o poema, sentimento este que em algum momento da vida todos os seres humanos terão que enfrentar. E você na sua idade não tem que se preocupar com isto.

— Mas eu gostei do corvo, queria conversar com ele, como o homem na história, só que ele parece bem triste.

— Ele perdeu alguém muito importante em sua vida, sua amada, e está sofrendo por causa disto.

— Ela morreu? A mamãe disse que quando as pessoas e animais morrem elas vão para um lugar melhor, e deveríamos comemorar ao invés de chorar. Ela falou isto quando meu cachorrinho Aquiles morreu.

— E sua mãe está certa, mas cada pessoa reage de um jeito a morte, nem todas são tão inteligentes quanto você, demoram um tempo para descobrirem estes segredos.
— Você já perdeu alguém senhor Lucien?

Percebi que a pergunta o incomodou, ficou com um rostinho triste, levantou a cabeça como se olhasse para o céu.

Demorou um tempinho antes de responder, acho que não devia ter perguntado... mamãe disse que as vezes faço perguntas que não devia.

— Certa vez, cerca de uns trinta e cinco anos atrás, eu era magro e uma mulher muito simpática se interessou por mim.

— Magro tipo o meu dedinho senhor Lucien? — Estava espantado, e não conseguia imaginar.

— Sim! Igual o seu dedinho. E algumas garotas até me achavam bonito, uma delas era encantadora, cabelos longos e negros como a noite, um perfume que exalava a fragrância da primavera. Não demorou até nos apaixonamos e vivermos grandes momentos juntos, o amor se intensificou e três anos depois essa felicidade foi coroada com uma linda menininha, certamente foram os anos mais alegres e gratificantes que vivi.

Iria fazer uma pergunta, mas achei melhor ficar quieto e esperar ele continuar contando.

— Emily era mágica, assim como você na sua idade, ela também se impressionava com livros e contos, suas histórias favoritas eram "Alice no país das maravilhas" e "O pequeno príncipe".

Pediu para que eu as lesse por incontáveis noites, gostava tanto que um dia me perguntou se poderia mudar seu nome para Alice.

Não consegui ficar quieto, tive que perguntar.

— O que aconteceu com Alice senhor Lucien?

— Como sua mãe disse, ela foi para um lugar melhor, acredito que tenha virado uma estrela brilhante, e agora deve estar sendo vista pelo pequeno príncipe em seu planeta, onde conversam todos os dias sobre as trivialidades e descobertas de suas viagens.

O gordinho de barba branca que antes era magrinho teve os olhos enchidos por lágrimas, levantei e fui até onde estava sentado, ele me ergueu e colocou em seu colo, dei um abraço bem apertado, mesmo que fosse difícil dar a volta em sua barriga.

— Devemos comemorar que ela é uma linda estrela, não é? — Falei, o apertando com força — Neste dia, o senhor viu o corvo? Igual o homem da história.

— Acho que vi sim pequenino.

— E o que ele te disse?

— Que a morte não é o fim — Ele afagou meus cabelos, depois deu um beijo em minha cabeça.
— Senhor Lucien?

— Sim.

— Eu posso mudar meu nome também? Sabe, não gosto muito do meu, na bíblia diz que Lúcifer é mal, e o padre diz que sou fruto do mal. Mas, eu não quero ser chamado assim.

— Claro que pode! Que nome gostaria de ter?

Desci do colo escorregando e voltei até a bancada onde estava o livro do corvo falante. Li o nome do homem que escreveu.

— Gostei deste! — Apontei para a capa.

— Está bem! Então, a partir de hoje, esse garotinho passa a se chamar Edgar. 

Apócrifos - A porta dos onze fechosOnde histórias criam vida. Descubra agora