14. Jardim de Outono

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I

- Ai, porra! - Resmungou Alyssa após tropeçar novamente.

Apesar do escuro que eram os corredores e escadas do seu prédio após as onze da noite, ainda viu Ethan tentando esconder o sorriso. Alyssa sentia-se uma criança, estava de pijama e pantufas roxas, com um edredom enrolado em seu pescoço e que era segurava com uma mão como se fosse uma maldita capa de super herói.

Não sabia o que Ethan queria mostrar, mas tinha achado ele atencioso com ela enquanto cuidava de seu mal estar, e mesmo que estivesse desconfiada, com frio e fome - afinal vomitara todo o seu jantar há meia hora -, estava curiosa depois de todo o suspense que ele criou.

Foi uma boa surpresa conhecer esse lado travesso e brincalhão de Ethan, sem falar no sedutor. Alyssa achava que estava tendo o vislumbre de sua personalidade antes de sua vida ir por ladeira abaixo por conta de seus ex putos amigos. Mas apesar das condições, adorou aquela nova face.

De fato, pouco a pouco a vida dele ia se estruturando. Tinha amigos, um emprego, colegas de trabalho amistosos, - alguns até demais -.

Alyssa pôde sentir o orgulho de Ethan ao entregar para ela todo o cheque de seu primeiro salário, para pagar as coisas que ela comprou, com o aditivo da moradia e comida. Ethan ganhava um pouco menos que ela, pois seu cargo era de auxiliar, era seu primeiro salário em anos, e ainda assim, ele nem sequer pensou duas vezes ao entrega-lo.

Achava que aquele sorriso ficaria marcado a ferro em sua alma pelo resto da vida.

Porém, Alyssa aceitou apenas 50% de seu salário, Ethan precisava de dinheiro para si próprio, para comprar as coisas que quisesse ou criar uma poupança. Disse a si mesma que pensou no melhor para ele, mas sabia que Ethan pelo menos se manteria em sua vida até pagar tudo que achava que devia, e dividindo a "dívida" ele poderia passar mais tempo vivendo com ela.

Não se orgulhava de pensar de forma tão egoísta, mas assim como Ethan, Alyssa havia perdido muitas coisas em sua vida, então tendia a se agarrar no pouco que conseguia, mesmo que soubesse que no final de tudo ela estaria novamente sozinha tendo que lidar com seus problemas, fingindo que não sentia falta do que, na verdade, nunca possuiu.

Pensou na forma como Ethan a confortou poucos minutos atrás. Seus amigos a haviam confortado e acolhido mais vezes do que poderia contar, mesmo que não pudessem estar 24 horas por dia com ela, mas com Ethan havia sido diferente.

Sempre que tinha um pesadelo, ao acordar, sentia um aperto sufocante em seu coração, como se alguém estivesse esmagando-o lentamente, e a sensação durava semanas até finalmente ir embora, deixando-a em cacos que passaria o ano recolhendo apenas para tê-los espalhados novamente no ano seguinte.

Mas quando Alyssa vomitou e Ethan suavemente a ergueu do chão, pela primeira vez desde que recordava sentia que o aperto em seu peito era um pouco mais suportável.

Soltou um suspiro cansado. Odiava seus pesadelos e o quão mal ficava nessa época.

Ethan a levou até uma porta no final do corredor do terceiro andar e retirou uma chave do bolso, fazendo Alyssa se questionar onde ele havia arrumado aquelas chaves. As fracas luzes amareladas que vinham do terraço iluminaram parte do seu rosto quando Ethan abriu a porta e virou para ela com um sorriso.

- Primeiro as damas.

Alyssa passou pela porta e o vento imediatamente a atingiu. Estremecendo, puxou o cobertor mais próximo do corpo olhou em volta, arregalando os olhos em surpresa.

- Isso é... - Ficou sem palavras por um momento. - Lindo. - Concluiu por fim.

Virou para olhar Ethan de relance, ele tinha um sorriso de orgulho estampado no rosto, o queixo erguido e o peito inflado. Voltou-se novamente para o terraço.

Alyssa sempre soube que havia um terraço, pois Sra. Houstton o havia mostrado tão logo ela havia mudado. Era como aquele local deveria ser, somente um espaço de concreto com antenas de TV e internet em cima de um pequeno quadro metálico trancado com cadeado. Mas não mais.

Aquele ambiente agora havia sido transformado em um jardim rústico e aconchegante. Sua boca caiu aberta a medida que se aproximava e observava os detalhes. Todo o espaço era circuncidado por caixotes de madeira com terra, além do centro do terraço, onde os mesmos caixotes formavam um círculo em volta de uma estrutura de metal que possuía uma viga cilíndrica na vertical e no topo, três aneis que iam do maior para o menor, com espaços entre eles. A estrutura lembrava o esqueleto de um guarda chuva.

Havia pedras em volta dos caixotes, em torno da estrutura central. Bancos e poltronas que pareciam ter sidos feitos a mão com paletas de madeira possuíam almofadas de diferentes cores em cada uma.

- Você fez tudo isso? - Indagou Alyssa, dando toda a volta no lugar e olhando para Ethan.

De repente, ele parecia muito tímido, esfregando as costas da mão na boca.

- Fiz com ajuda de alguns vizinhos e da Sra. Houstton.

- Ela deixou que vocês fizessem uma área comum aqui?

- Na verdade ela gostou muito da ideia. Quando pedi autorização para fazer um jardim aqui, ela me disse que sempre quis fazer algo com esse espaço, mas nunca teve ideia ou tempo. Todo material aqui foi doado dos próprios vizinhos do prédio, da feira pública e assim por diante.

- Uaaau - Assoviou Alyssa. - Você montou esses bancos e sofás?

- Não é tão difícil na verdade, só precisei de alguns tutoriais pelo seu notebook e um pouco de farpas nos dedos. - Ethan sorriu olhando as mãos próprias mãos. - Na verdade as únicas coisas compradas foram as sementes e um verniz que protegesse a madeira do clima.

Alyssa olhou para a estrutura central.

- E o que foi plantado aqui?

- Segredo.

- QUEEE, vou ter que esperar até a primavera pra saber que flores tem aqui?

- Exatamente. - Disse sentando-se em um dos bancos.

Alyssa sentou-se ao seu lado, passando metade do edredom para cobri-lo.

- Obrigado, Ethan.

Ele virou para ela.

- Pelo que?

Alyssa ergueu a sobrancelha como quem diz "sério?".

- Por deixar eu bater em você por se fazer de idiota.

Ethan piscou.

- O que?

Alyssa deu uma cotovelada nas costelas dele. Não colocou muita força.

- Ai! - Ethan fez uma careta e riu, massageando o local.

Alyssa bufou e encostou na lateral do corpo de Ethan, apreciando o calor que ele fornecia.

Ele a olhou em silêncio, uma expressão séria em seu rosto bonito. Seus olhos verdes brilharam de uma forma misteriosa na pouca luz. Alyssa o encarou de volta, achava que quando Ethan fazia aquela expressão, seu rosto parecia ter sido esculpido por algum artista romano.

Alyssa percebeu tarde demais que seu olhar estava fixado na boca de Ethan, subiu os olhos para os dele novamente e percebeu que ele também estava travado em sua boca.

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M

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Onde as lágrimas repousam [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora