4. Bom Humor

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I

Alyssa estava incrédula.

Sentada na cadeira do lado de fora da cozinha, enquanto Ethan fritava ovos e preparava frutas com aveia. Ela acordara pela primeira vez em muito tempo, bem mais cedo que o horário habitual, após os dez alarmes de soneca do celular.

Não entendeu de imediato o que a fez acordar, até sentir o cheiro de comida, o que a instigou a ir para a cozinha e para sua surpresa, encontrou Ethan preparando seu café da manhã, embora ele tenha parecido extremamente envergonhado de ser pego no flagra, Alyssa precisou de um tempo para saber como se sentia. Primeiramente estava grata por Ethan não ter simplesmente roubado sua casa e ter ido embora no meio da madrugada.

Sentia-se mal porque uma parte dela considerou essa possibilidade, ele havia sido muito gentil com aquele gesto, o que apenas mantinha-se coerente com todas as pistas sobre sua personalidade, até agora.

Em seguida, precisou de cada grama de esforço de sua mente sonolenta para não encará-lo fixamente. Sabia que Ethan parecia bonito, mas sem a barba desgrenhada e após um bom banho, ela pôde finalmente olhar seus traços masculinos e CA-RAM-BA. O homem poderia rivalizar com Adônis.

Seu maxilar era forte e quadrado, leves covinhas no canto de seu sorriso emolduravam lábios firmes. Seu nariz era largo e suas sobrancelhas escuras acentuavam intensos olhos verdes. O canto de seus olhos repuxava de maneira sutil para baixo, fazendo com que seus olhos se fechassem de leve quando sorria.

Ethan havia penteado o cabelo e feito um coque desordenado, o que a fez notar que ele era cheio e levemente ondulado. Ficou tentada a pedir que ele soltasse apenas para vê-lo em volta do rosto.

Nem mesmo as roupas, a blusa de manga longa - que por ser de um tamanho menor, chegava ao meio de seu antebraço - e a calça folgada na cintura, porém, curta nos tornozelos, distraíam Alyssa da agradável visão, muito pelo contrário, o deixavam incrível. Como se ele tivesse tomado uma bomba de crescimento durante a noite à lá Steve Rogers.

Embora Alyssa desconfiasse aquele ainda não era Ethan em toda a sua glória, que na realidade, seu corpo havia sido forçado a emagrecer em razão da fome dos anos como sem teto.

Ethan parecia desconcertado com a perícia minuciosa de Alyssa, mas seus olhos brilhavam com satisfação masculina.

Alyssa sorriu e piscou descaradamente. Ethan riu entredentes e baixou a vista para a comida, uma veia saltando de seu pescoço enquanto tentava concentrar-se no que fazia. Sabia que ela estava provocando de brincadeira, mas ficou um pouco surpreso pelo flerte. Havia esquecido como era ser visto como um homem, invés de um mendigo.

Alyssa puxou seu celular e discou para Matt, que atendeu no segundo toque.

- Bom dia meu amor! - Alyssa cumprimentou de forma animada.

- Não.

Alyssa franziu e mudou o celular de orelha.

- O que? Mas eu só dei bom dia.

- Você está me ligando às seis da manhã, o que significa que você quer pedir alguma coisa, por isso a resposta é não. - Concluiu simplesmente.

Alyssa conseguia visualizar perfeitamente um sorriso de deboche naquele rosto redondo e rosado. Matt parecia um aspirante a papai noel, exceto que seus cabelos ainda eram de um loiro pálido e que sua personalidade se encaixaria melhor em um personagem como Ebenezer Scrooge. Revirou os olhos. Sim, ele estava totalmente certo, e ela odiava isso.

- Mas é por um caso de urgência dessa vez...

Alyssa explicou o atentado que sofrera na noite anterior e teve que aturar meia hora de perguntas sobre como ela estava e de sermão para tomar mais cuidado, que aqueles fones de ouvido eram a razão daquilo ter acontecido e etc. Por fim, Matt concordou que Alyssa poderia tirar a manhã de folga para se recuperar do susto e ir para a polícia fazer o boletim de ocorrência.

Alyssa ocultou o fato de que seu salvador estava diante dela, dormira em sua sala, e apenas passou o assunto por cima, dizendo que foi salva por um vizinho.

Ethan preparou a bancada e serviu os dois, ele não havia posto muito em seu prato, o que fez Alyssa franzir, um cara daquele tamanho não comia aquela quantidade.

- OH MEY DEUS ETHAN, VOCÊ PRETENDE COMER TUDO ISSO? - Alyssa questionou de forma sarcástica, enquanto se levantava de seu assento, inclinava para frente e por cima da bancada e servia Ethan até seu prato estar cheio.

- Eu não vou conseguir comer tudo isso. - Ethan protestou, embora estivesse rindo.

Alyssa deu de ombros.

- Eu te desafio a limpar o prato.

Quando ela pegou os talheres, percebeu que Ethan a encarava com uma expressão severa no rosto.

- Tem meleca no meu nariz?

- Eu apenas queria dizer que não tenho palavras e nada que eu faça será o suficiente para agradecer tudo o que você me ofereceu.

Sua voz embargou e Alyssa engoliu em seco pela intensidade da emoção crua que Ethan evidenciava. Nunca, em toda a sua vida, havia visto alguém mais grato ou mais feliz que ele e por tão pouco... Um teto e um prato de comida.

- Realmente Alyssa, muito obrigado por permitir que eu dormisse aqui ontem e sabe... Permitir que eu me sentisse como um ser humano de novo.

Ele sorriu para ela como se não tivesse acabado de roubar o chão dos seus pés e Alyssa lutou contra as lágrimas. Aquele homem diante dela já havia visto muita dor em sua vida, ele não merecia ver lágrimas, então deu o maior sorriso que pôde e começaram a comer e conversar sobre a ida a delegacia.

Alyssa olhou brevemente para o lado e percebeu que havia uma carteira velha em cima da mesa de centro, sua mente se agitou com aquilo e começou a trabalhar rapidamente.

Se Ethan tivesse seus documentos, significava que ele havia se mantido com certo nível de organização e estabilidade, mesmo morando na rua. O que também implicava que dificilmente ele teve ou teria algum vício, já que viciados falidos tendiam a penhorar seus documentos em troca de drogas ou apostas.

- Pensei em ir com você até a delegacia. - Ethan anunciou olhando-a de forma nervosa. - Sabe, não é uma boa experiência e não quero que você faça isso sozinha. - Emendou rapidamente.

Alyssa piscou, suas hipóteses se confirmando.

- Tu tem certeza? Não quero te pôr em problema.

- Eu não tenho problemas com a polícia... Bem, não mais, de qualquer forma. - Ethan sorriu.

Alyssa o encarou por longos segundos.

- Sabe Ethan. - Começou ela. - Eu cresci num orfanato, quase fui pra um reformatório e vivi com várias pessoas problemáticas. Algumas não pegaram um bom caminho depois de sair de lá, outras arranjaram bons empregos e vivem como podem, mas eu nunca julguei nenhuma delas.

Pausou, apoiando o queixo nas costas das mãos.

- Viver não é nada fácil em condições "ideiais", e viver como sendo lixo da sociedade? É uma luta diferente a cada dia. É muito fácil se perder em um ciclo de más decisões e quando se dá conta, você já cruzou uma linha onde não tem mais volta. Essa linha é muito mais fina e frágil pra gente como eu e você. É muito mais difícil de visualizar, porque pra gente, as vezes se trata de sobreviver.

"Não tô justificando criminosos, mas entendo que as coisas não são tão preto no branco como a maioria das pessoas pensa. Entende o que quero dizer?

Ethan assentiu sombriamente.

- Eu gostaria de conversar mais com você sobre o meu passado, quando tivermos tempo, mas posso lhe adiantar que nunca prejudiquei ninguém de forma deliberada. Apenas sinto que preciso informar que estou no sistema, para que isso não seja uma surpresa.

- Justo.

Levantou-se, pegando os pratos para lava-los. Ethan os retirou de suas mãos.

- Eu lavo enquanto você se arruma.

- Gosto da forma como você pensa.

Ethan sorriu enquanto Alyssa pegava sua toalha e ia para o banheiro.

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Onde as lágrimas repousam [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora