Capítulo 28

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Ayla Jones

As semanas passaram tão rápido que eu nem percebi. Eu acompanhava o rádio todos os dias, esperava as notícias dos cientistas, mas após quatro semanas da mensagem de " salvação " que escutamos, nada mais foi falado. No radio as vezes tocava música, falava da destruição da chuva, falava dos assassinos. E nunca mais foi falado dos cientistas ou da salvação.

Eu andava pela casa de forma desesperada, minha ansiedade estava quase explodindo dentro de mim. Eu já nem sentia mais fome. Fiava apenas pensando em como seria. Eram muitas questões que Dylan não estava considerando.

Primeiro, seria impossível salvar a terra de um apocalipse em dois anos. Não sou estudiosa nem cientista, mas sei que precisamos de um milagre. E sei bem que cientistas não fazem milagres. Segundo, muitas pessoas morreram, se a terra realmente for salva e voltar ao normal como vai ser? Devemos ter metade da população, não vamos conseguir voltar as funções básicas, e fora do Bunker estamos expostos, ainda existem assassinos lá fora, eles não morreram, uma casa pode ser invadida, um Bunker não. Terceiro, e muito importante, ninguém está pensando na qualidade do solo, da água, como vamos fazer com os alimentos? Não vamos simplesmente sair do Bunker e voltar para o solo como se nada tivesse acontecido, ainda tem todas as consequências da chuva ácida. E quarto, será que eles vão acabar com a chuva ácida pra sempre? A cada chuva eu vou ter medo de estar do lado de fora, esse medo vai ficar para sempre marcado em nos sobreviventes.

Dylan, Alex e Amber não entendem que isso é o fim do mundo. Não podemos nos agarrar a uma esperança assim tão fácil. Não estou sendo pessimista, estou sendo realista. O fim do mundo não acaba de uma hora para a hora. Se passaram quatro semanas e nada mais foi falado, vejo a esperança deles indo embora e o pânico voltando com toda força. Era isso que eu não queria para eles. Quando maior a expectativa, maior a queda. Acho que o ditado era assim.

(...)

Depois de dois meses sem notícias da salvação, nós paramos de falar disso. Eles perceberam que foi apenas uma esperança. Mas que já passou. Amber começou a ficar triste e deprimida com tudo isso, ela tinha Grace, que era uma criança ainda e que não teria futuro. Era uma criança do fim do mundo que não tinha noção de nada que estava acontecendo, ela só sabia que não poderia ir para a chuva.

O fim do mundo estava nos matando aos poucos. Grace chorava porque não tinha festa de aniversário, amigos e não podia brincar do lado de fora. Estava cansada dos mesmos brinquedos e de ficar presa. Eu entendia o lado dela, mas não tinha muito o que fazer. Para falar a verdade, depois de dois anos o nosso esgotamento chegou, o ser humano não foi criado para ficar preso, confinado e isso estava nos matando do mesmo jeito. E sem as viagens tudo se tornava mais difícil, porque precisamos racionar a comida, para Grace não tinha novidades em brinquedos ou roupas, e para nós adultos faltava a adrenalina, mesmo para Amber que ficava em casa.

(...)

Iriamos completar três anos de confinamento daqui a pouco. E faltava pouco para eu enlouquecer. Eu estava sentada no chão da garagem pensando em como manter a minha sanidade, não tinha mais nada para fazer, já tinha mexido na Horta, arrumado a casa. Organizado tudo. Eu e Dylan ficamos frios durante essa última semana. Eu estava dormindo no meu quarto e ele não aparecia mais na madrugada. Mas era melhor assim.

Levanto e decido tomar um ar. Nesses últimos dias até o ar do Bunker ficou mais pesado. Pego a minha arma coloco na cintura. Coloco uma faca nas costas. Caso alguém apareça. Abro a porta da garagem e fico do lado de fora.

O céu está um pouco mais limpo. A próxima chuva deve demorar. Não anotamos ou programamos mais quando a chuva vai cair, o tempo está muito instável, então marcamos pelo céu. E como deveria ser verão, até que o tempo está bom, não temos mais tanto sol como antes, mas o céu não está fechado nem o tempo frio.

Fico analisando a paisagem morta, tudo cinza. No fundo me dá uma tristeza. Lembro do dia em que estava correndo e fugindo de Calvin, o dia que em que tudo mudou e eu encontrei o Bunker. Me lembro do cheiro da floresta, das arvores, plantas, a terra. E quando a chuva começou, me lembro de sentir o cheiro de chuva, da terra molhada e depois de ácido.

Me lembro da minha infância, de correr pela floresta, pegar flores e tentar plantar em casa, de tomar banho de chuva, deitar na grama, subir em arvores para comer frutas. Coisas simples que eu nunca mais vou fazer e que Grace sendo tão nova não vai poder aproveitar da infância. Vai ser uma criança que cresceu em um Bunker.

Olho para o céu e vejo uma luz fina que vem da terra até o céu. Ela começou azul e depois ficou laranja. Fico olhando sem entender, essa luz não está muito longe. Fico acompanhando até que vejo um clarão saindo dessa luz e ela se torna maior, seguido de um barulho de explosão, sinto uma leve pressão no corpo e uma fumaça densa que vem de longe em nossa direção, me assusto e entro correndo, Dylan aparece desesperado com Alex e me ajudam a fechar a porta. Alguma coisa bate na porta, poderiam ser pedras.

Sento no chão recuperando o ar, Alex e Dylan ficam olhando a porta e Dylan volta o olhar pra mim e fala irritado.

-Que merda você fez Ayla? - Ele fica me encarando e Alex tenta acalma-lo.

-Calma cara. Ela não fez nada. - Alex fala segurando Dylan.

-Que merda eu fiz? EU FIZ DYLAN? Foram os seus cientistas. O que vai vir agora além da chuva ácida? - Falo irritada e saio da garagem.

Vou em direção ao rádio. Ligo, mas ele está mudo, como se não funcionasse mais. Todos aparecem na sala. Eu começo a apertar vários botões, mas o rádio não volta a funcionar.

-Você estragou o rádio Dylan? - Falo irritada.

-Claro que não. Não fala merda. - Ele cospe as palavras.

-Que merda. Como vamos saber o que está acontecendo agora? - Penso alto.

-Calma Ayla. Vamos achar um jeito. - Amber fala com aos mão no meu ombro.

-Vai lá fora e fica olhando como você estava fazendo antes. - Dylan fala em um tom irônico e Alex recrimina ele pelo ollhar.

-Que merda você está falando? - Fico olhando para Dylan.

-Que merda que você está fazendo Ayla, estava lá fora fazendo o que? Se preparando para ir embora era isso? Não iria se despedir? Que merda você está fazendo esses dias? Não fala com ninguém, está distante, fria. Não é culpa minha o fim do mundo acontecer, estou tentando, estou tentando ter esperança por nos dois. Mas você está ai, vivendo sozinha. Estou de saco cheio dessa merda. Você está triste por algo que não podemos resolver agora, por algo que você nem sabe como vai ser. Eu não tenho culpa se você não pode en... - Ele para e me olha.

Eu estou segurando as lagrimas. Isso tudo é uma merda. Vou andando até ele com o sangue explodindo dentro de mim. Minha vontade era de dar um soco na cara dele. Fico parada na frente dele, retiro o anel e o colar. Seguro a mão dele e entrego.

-Também estou cansada dessa merda. Então vou fazer o que já deveríamos ter feito. Acabou Dylan.

Ele fica sem reação, parado com a mão esticada com o anel e o colar. Falo e vou andando para o meu quarto. Alex vai até o Dylan e fala algo, e Amber vem em minha direção. Mas eu ignoro. Entro em meu quarto e me tranco.

Os olhos de AylaOnde histórias criam vida. Descubra agora